17 de julho de 2025
A manhã começou mansa, com um cheiro bom de terra molhada ainda subindo do chão depois das chuvas passadas. O sol filtrava a luz por entre as nuvens ralas, e na fazenda de Pedro a cozinha já fervilhava. Hoje era dia de almoço festivo, mesmo que os trabalhos na igrejinha e no barracão tivessem parado.
Dona Maria e dona Joana estavam desde cedo com as mãos na massa, literalmente. No fogão a lenha, o frango caipira fervia num caldo grosso, temperado com cheiro-verde, alho socado no pilão e um tanto generoso de açafrão para dar cor. Do outro lado, um tacho de ferro recebia as espigas de milho verde, ainda pingando orvalho, cozidas no ponto certo para “dar no dente”. O cheiro se espalhava pelo terreiro, misturado ao aroma da lenha queimando.
Vó Zulmira e dona Loudes, dessa vez, não botaram a mão na panela. Sentaram-se juntas, debaixo da sombra do pé de jamelão, e aproveitaram para trocar conversa, rindo baixo das lembranças que o tempo insiste em deixar vivas.
O terreiro foi se enchendo aos poucos. Chegaram vizinhos, parentes e conhecidos, cada um trazendo uma prosa nova. Crianças corriam de um lado para o outro, ora brincando de pega-pega, ora se escondendo atrás do galinheiro. Um cachorro magricelo se arriscava a chegar perto das panelas, mas logo era espantado com um “xô!” bem dado.
Por volta do meio-dia, o padre Robério apareceu, mas não com o semblante animado de costume. Trazia no rosto aquele sorriso que tenta esconder alguma coisa. Quando todos se acomodaram com seus pratos de alumínio cheios, ele se aproximou da vó e disse, num tom manso, mas firme:
— Então é isso, vó Zulmira, respirou fundo. — Fui falar com o bispo. A Catedral está em reformas e não será possível nos ajudar como esperávamos. Ele nos deu apenas dez por cento do valor que pedimos.
O silêncio se espalhou por alguns segundos, quebrado apenas pelo estalar da lenha no fogão. A vó olhou para ele, sem dizer nada, mas a expressão denunciava a decepção. Dona Loudes suspirou, olhando para o prato. Ainda assim, ninguém deixou de comer. Talvez fosse a forma de dizer que a vida continua, mesmo quando os planos dão para trás.
A comida estava boa demais para qualquer tristeza resistir por muito tempo. O frango estava tão macio que se soltava do osso com um toque da colher. O milho, doce e tenro, era disputado pelas crianças. Havia também arroz branquinho, feijão gordo com pedaços de toucinho e uma salada simples de alface e tomate colhidos naquela manhã.
Depois do almoço, o sol já começava a pender para o lado oeste. Eu e Pedro decidimos aproveitar o resto da luz para ir até Boa Vista. Pegamos o caminhão emprestado, ele já conhecia os buracos da estrada. Partimos para comprar as peças que faltavam, danificadas pelo ganho que quebrou da mangueira.
No terreiro, enquanto a gente se preparava para sair, Jonas soltou uma risada alta e contou a última do bode Chico. O velho barbicha tinha acabado de sair do castigo e, como se quisesse provar que não havia perdido o costume, foi direto implicar com o porco grande, o dobro do seu tamanho. Empinava-se, batia a testa no cercado e soltava uns berros desafiadores, enquanto o porco olhava com cara de poucos amigos.
A estrada para Boa Vista estava firme, o barro já seco nas partes mais altas, mas ainda úmido nas baixadas. Passamos pelo rio, agora correndo calmo, e seguimos até a loja de peças. Negociamos rápido, pegamos o que precisávamos e voltamos antes que a noite fechasse.
O céu já estava pintado de tons de rosa e laranja quando nos aproximamos da porteira da fazenda. O cheiro de terra molhada ainda pairava no ar, misturado ao frescor da tarde que se despedia. Mas, assim que o caminhão desacelerou, uma sensação estranha tomou conta de mim.
Pedro olhou para mim sem dizer nada. Havia algo diferente ali.
E foi com esse peso silencioso que entramos, sem saber ainda o que nos esperava.
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