14 de julho de 2025
O dia amanheceu preguiçoso, com o sol surgindo lento atrás das colinas. O galo cantou cedo, mas sem a pressa dos dias de trabalho pesado. O ar ainda trazia um leve frescor da chuva passada, e o cheiro de terra molhada persistia como um lembrete de que a natureza tem seu próprio tempo.
Foi um dia calmo, de pequenos afazeres. Alguns consertos, um pouco de capina, mas nada de correria. O vento soprava leve, e as galinhas ciscavam tranquilas pelo terreiro.
À noite, depois do jantar, todos se reuniram na varanda. A lua, quase cheia, clareava o quintal, e o som distante dos grilos fazia o silêncio parecer ainda mais profundo. Vó Zulmira, com a voz baixa, começou a contar histórias de assombração, aquelas que ela dizia ter ouvido ainda menina. As crianças menores, as que ainda não estudavam, escutava com olhos arregalados, se encolhiam mais perto dos adultos. Pedro ria, dizendo que a vó só queria espantar o sono deles.
Quando as risadas se acalmaram, Pedro ficou sério e falou de sua fé. Contou que sempre confiou no tempo certo do plantio e da colheita, e que, quando está na lavoura, sente a presença do pai, como se ainda estivesse ali ensinando a medir a terra com o olhar. A saudade o fez baixar a cabeça por um instante. Tião tomou a palavra em seguida. Disse que já tinha visto e vivido muita coisa, mas que nunca esqueceu o dia em que chegou ali e foi recebido como parte da família.
— Se não fosse por vocês, não sei onde eu tava hoje, disse, a voz embargada.
Pedro se levantou e o abraçou forte, sem precisar dizer mais nada.
Matheus e Jonas, que estavam encostados na grade da varanda, trocaram um olhar. Filhos do irmão de Pedro, perderam o pai num acidente trágico com um boi da fazenda vizinha. Jonas se aproximou devagar e abraçou a vó, enquanto Matheus, sem dizer palavra, abraçou Pedro. O silêncio, nesse momento, dizia mais do que qualquer frase.
Dona Lourdes, sentada perto da porta, respirou fundo antes de falar. Contou que sua dor era não saber se seus pais ainda estavam vivos, depois de tantos anos no Brasil. Mas agradeceu pelo acolhimento que recebeu ali, chamando-os de “sua segunda família”. Levantou-se e abraçou a vó com um carinho demorado.
Foi então que alguém, não sei ao certo quem, disse:
— Você devia fazer a oração hoje.
O pedido me pegou de surpresa. Mas não hesitei. Fui até meu quarto, peguei minha Bíblia, e voltei para a varanda. Sentei-me, respirei fundo, e abri em...
Salmos 126:5-6 que diz:
"Os que com lágrimas semeiam, com júbilo ceifarão. Quem sai andando e chorando, enquanto semeia, voltará com júbilo, trazendo seus feixes."
Segurei firme o livro e comecei:
Senhor Deus, esta noite nos reunimos diante da Tua presença com corações agradecidos. Obrigado por esta casa, que nos acolhe como abrigo seguro, e por cada pessoa que nela vive e passa. Obrigado pela vida de Pedro, pela força que o Senhor lhe dá para cuidar da terra e de tudo por aqui. Obrigado pela vida de Tião, que encontrou aqui um lar e se tornou amigo e irmão. Obrigado, Senhor, por Matheus e Jonas, que carregam a memória viva do pai, e por cada passo que eles dão na caminhada de homens de bem.
Agradeço também pela vida de Dona Loudes, que, mesmo carregando a saudade e a incerteza sobre seus pais, encontrou aqui braços abertos e amor verdadeiro. Agradeço pela vida de vó Zulmira, que com sua sabedoria e fé, mantém acesa a chama da união.
Senhor, que a terra que trabalhamos seja sempre fértil, como nos tempos antigos. Que cada semente lançada encontre solo bom e produza fruto em abundância. Que a chuva venha no tempo certo, e que o sol aqueça sem queimar.
Obrigado por me permitir estar aqui, partilhando do pão, do trabalho e das histórias. Que cada dia vivido seja como uma colheita de alegrias, e que, mesmo nos dias difíceis, possamos lembrar que a Tua mão sustenta tudo.
Em nome de Jesus, amém.
Quando terminei, todos ficaram em silêncio por alguns segundos. A luz amarela da varanda iluminava os rostos emocionados. Vó Zulmira enxugou discretamente um canto dos olhos, Tião balançava a cabeça afirmando, e Pedro respirou fundo como quem guarda cada palavra no coração.
— Mi menor, Tião. Falei.
Ele sorriu, pegou a viola e afinou rapidamente. O som das cordas preencheu a noite. Comecei a cantar:
Vida de Sol e Chuva
No campo a vida é lenta
E o tempo sabe ensinar
Que a colheita é recompensa
Do que a gente souber plantar
O sol aquece o dia
A chuva vem pra regar
E a terra em harmonia
Se enche pra nos alimentar
Na varanda ao fim da tarde
Vejo o pasto a se deitar
E no peito a saudade
Do que o vento não quer levar
Quem vive longe da estrada
Sabe o valor do luar
E que a vida, aqui plantada
Floresce só no cuidar
E quando a noite se ajeita
Com viola e prosa no ar
O coração se deleita
E aprende sempre a amar
Enquanto Tião dedilhava, alguns cantavam junto, outros apenas fechavam os olhos e deixavam a melodia tocar fundo. O vento leve fazia a chama da lamparina dançar. E, por um instante, o mundo parecia caber inteiro naquela varanda.
Foi um momento mágico que nada do que aconteceu antes parecei ter acontecido.
E assim é o campo...
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