Corvo do Silêncio
"Onde o mundo grita, o Corvo do Silêncio escreve, e no som das palavras, a alma desperta."
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Capítulo 4

O Sacrifício de Isaque

 

Os anos haviam passado como a lenta travessia de uma caravana sob o sol do deserto. Isaque crescera forte, com a pele dourada pelos ventos de Canaã, e os olhos herdados de Sara, penetrantes e doces. Era obediente, mas curioso; calmo, mas observador. Amava o pai com uma devoção silenciosa, e acompanhava-o em orações, caminhadas e no cuidado com os rebanhos.

 

Abraão o olhava como quem olha um milagre cotidiano, e ainda assim, sempre com certo temor, não o temor de perder, mas o de esquecer o peso da promessa que repousava sobre o menino. Isaque era mais que filho: era aliança viva, resposta de um Deus que não falava em vão.

 

Certa noite, quando o silêncio pesava como um véu sobre os campos de Moré, a Voz retornou. Veio como um trovão sem tempestade, como um fogo que arde sem consumir. E disse:

 

— Abraão.

 

— Eis-me aqui, respondeu ele, sem hesitação, com o coração já comprimido pelo pressentimento.

— Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai à terra de Moriá. Oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes que te direi.

 

O tempo parou. A areia sob os pés de Abraão pareceu sumir. Ele não gritou, não chorou, não se debateu. Ficou de pé como um tronco cortado. Mas dentro dele, todas as fibras ardiam.

 

— “Teu único filho…” Aquelas palavras soavam com peso dobrado. Ismael estava vivo, mas fora afastado. Isaque era o filho da promessa. O que significava aquilo? Como entender a ordem daquele que prometera fazer dele uma grande nação? Como cumprir sem destruir o próprio futuro?

 

Ainda assim, Abraão obedeceu.

 

Na manhã seguinte, o céu estava estranhamente limpo, como se o mundo ignorasse o que se preparava. Ele levantou-se cedo, partiu lenha, selou o jumento e chamou dois servos, levando consigo Isaque. Os passos eram pesados, mas os olhos firmes. Não havia explicações para dar, apenas uma direção a seguir.

 

No segundo dia de viagem, acamparam em um vale cercado por colinas pedregosas. O frio da madrugada cortava a pele. Isaque, empacotado em mantos, dormia com o rosto voltado para o pai. Abraão não dormiu. Observava as estrelas e cada uma lhe parecia um lembrete cruel da promessa que agora parecia se apagar.

 

No terceiro dia, viram ao longe o monte de Moriá. Era seco, alto e com uma face escura de rocha exposta. Ali, a história da fé humana e divina teria um encontro sem retorno.

 

Abraão virou-se para os servos.

 

— Fiquem aqui com o jumento. Eu e o menino iremos até lá para adorar, e depois voltaremos.

 

— Voltaremos, ele disse. Palavras que saíram da boca com fé e temor entrelaçados. Entregou a Isaque a lenha do holocausto, e ele a carregou nos ombros como mais tarde um outro Filho o faria. Abraão levou o fogo e a faca. E assim subiram, passo após passo, em silêncio. O vento assobiava nas pedras, e os arbustos secos se curvavam, como se até a criação reverenciasse aquele momento.

 

— Meu pai…, disse Isaque, enquanto subiam. — Temos o fogo e a lenha…, mas onde está o cordeiro para o sacrifício?

 

Abraão parou por um instante. Respirou fundo. Seus olhos estavam marejados, mas ele os manteve firmes no horizonte.

 

— Deus proverá para si o cordeiro, meu filho.

 

E seguiram.

 

Chegando ao cume, Abraão construiu o altar com pedras do próprio monte. Colocou a lenha em ordem, como quem arruma um túmulo. Então, com mãos trêmulas, chamou Isaque. O menino não resistiu. Entendeu? Talvez. Mas confiava. Como ovelha muda diante do tosquiador, Isaque se deixou amarrar.

 

Abraão ergueu o cutelo. O braço forte, como sempre fora. Mas o coração... o coração gritava. Cada batida soava como um trovão na mente. Ele estava pronto para obedecer, para entregar tudo, até o riso, até a promessa.

 

E então, a Voz irrompeu dos céus com força:

 

— Abraão! Abraão!

— Eis-me aqui! Bradou ele, e suas mãos estremeceram.

 

— Não estendas tua mão sobre o rapaz. Agora sei que temes a Deus, pois não me negaste teu filho, teu único filho.

 

Abraão caiu de joelhos. As lágrimas escorriam livres. Olhou para o lado e viu, preso pelos chifres num arbusto, um carneiro.

 

Deus havia providenciado.

 

Abraão ofereceu o animal em lugar de seu filho, e chamou aquele lugar de Jeová-Jiré. O Senhor Proverá.

 

Enquanto o fogo subia em espirais no céu de Moriá, o coração de Abraão se acalmava. Ele não entendera tudo. Mas conhecia agora um novo nome de Deus. A fé não era apenas um caminho de ida. Era renúncia, entrega… e ressurreição de promessas.

 

Desceram juntos, pai e filho. Isaque agora sabia mais do que nunca o peso do amor e da fé. Os servos os viram à distância e correram ao encontro. Ninguém entendeu o que acontecera. Mas o semblante de Abraão não era o mesmo. Era de alguém que conversara com Deus, não apenas para receber…, mas para devolver.

 

E naquele monte, onde séculos mais tarde outro Filho seria oferecido, sem substituto, Deus firmava com sangue e lenha o elo entre a fé e o impossível.

 

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Corvo do Silêncio
Enviado por Corvo do Silêncio em 25/07/2025
Alterado em 25/07/2025
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