Corvo do Silêncio
"Onde o mundo grita, o Corvo do Silêncio escreve, e no som das palavras, a alma desperta."
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Capítulo 3

O Teste da Fé: Isaque e Ismael

 

As noites em Hebrom eram frias e sagradas. O acampamento de Abraão se estendia como um pequeno reino de tendas sobre as colinas. Pelos corredores de estacas e tecidos amarrados em cordas de linho, passavam servos com jarras de água, pastores retornando do campo e mulheres lavando tecidos à luz da lua. Desde que fora feita a aliança, a vida seguia com um sentido novo: havia uma promessa gravada na carne de cada homem, e no olhar de Sara uma expectativa silenciosa.

Ninguém, porém, esperava o que o Eterno preparava.

 

Sara estava sentada na entrada de sua tenda certa manhã, suas mãos enrugadas fiando lã com movimentos lentos, enquanto os olhos permaneciam fixos em Abraão, que conversava com três visitantes sob uma árvore. Eram homens, mas não eram homens comuns, havia algo neles que fazia até o pó do chão se aquietar. Tinham túnicas brancas que não se sujavam com a poeira do deserto, e suas palavras soavam como águas tranquilas correndo entre pedras.

 

Um deles disse a Abraão com simplicidade:

 

— No tempo determinado, voltarei, e Sara, tua mulher, terá um filho.

 

Sara, do interior da tenda, ouviu aquilo e riu. Não um riso escandaloso, mas um sopro incrédulo.

— Depois de envelhecida, terei ainda esse prazer? E, meu senhor já velho?

Mas o visitante ouviu. E sua voz atravessou o tecido da tenda como lâmina quente:

— Por que Sara riu? Haveria coisa demasiadamente difícil para o Senhor?

Ela, assustada, tentou negar:

— Não ri.

— Mas riste, disse o visitante, com brandura.

 

Naquela noite, Abraão não dormiu. Seu coração batia como tambor silencioso. Era verdade. A promessa estava viva. E Sara também não dormiu, acariciando com dedos trêmulos o ventre outrora esquecido. A fé, por fim, se unia à esperança.

 

Meses depois, os gritos de parto ecoaram pelo acampamento. Mulheres corriam de um lado a outro com bacias de água morna e panos fervidos. Sara gemia, agarrada aos braços de uma serva, mas seu rosto brilhava com suor e determinação. Quando o choro do bebê rompeu o ar seco do deserto, todos se calaram. Era menino. Era Isaque. Era o riso de Deus.

 

Abraão segurou o menino nos braços como quem segura uma nova criação. Sua barba grisalha tremia. Sua alma também. Ali estava a promessa em carne viva.

 

Mas onde há bênção, muitas vezes há sombra.

 

Ismael, agora com cerca de quatorze anos, olhava de longe o meio-irmão com olhos confusos. Filho de Hagar, ele crescera sob a sombra de uma promessa ausente. Fora o primogênito de um plano impaciente, e agora via-se substituído.

 

Sara observava-o com atenção. Uma mãe reconhece o tom do perigo mesmo quando este ainda não falou. E um dia, enquanto o pequeno Isaque brincava entre as tendas, Ismael zombou dele, rindo alto, empinando o queixo com desdém. Foi o suficiente.

 

— Expulsa esta serva e o seu filho! Disse Sara a Abraão, seu rosto trêmulo. — O filho da escrava não herdará com meu filho, com Isaque!

 

Abraão ficou em silêncio por um longo tempo. O amor por Ismael o feria. Lembrava-se de cada passo da infância do menino, das noites em que o embalaram juntos, das primeiras palavras. Mas então a voz do Eterno veio a ele novamente:

 

— Não te pareça mal por causa do moço e da tua serva. Em tudo o que Sara te disser, ouve a sua voz. Porque em Isaque será chamada a tua descendência. Mas do filho da serva farei também uma nação, porque é tua semente.

 

Na madrugada seguinte, Abraão levantou-se antes do sol. O céu ainda era uma tela escura pontilhada de prata. Preparou pão, encheu um odre d’água, e os entregou a Hagar. Seus olhos não sabiam onde pousar. Estava despindo-se de um pedaço de si.

 

— Vai, e Deus estará contigo. Ele te guardará. Ele ouvirá teu clamor, como da primeira vez.

 

Hagar partiu com Ismael, sem dizer palavra. Caminharam pelo deserto de Berseba, o mesmo que séculos depois seria lembrado como terra de exílio e reencontro. Quando a água acabou, ela colocou o menino sob um arbusto e afastou-se, pois não suportava vê-lo morrer. Chorou. Chorou como choram as mães quando o mundo parece abandoná-las.

 

Mas Deus a ouviu.

 

Um anjo apareceu e disse: — Não temas, Hagar. Levanta-te. Toma o menino pela mão. Deus ouviu a voz do rapaz. Abrirá para ti um caminho no deserto.

 

E assim fez. Ela viu um poço. Deu água ao menino. E Deus foi com Ismael. Ele cresceu no deserto, tornou-se flecheiro, habitou em Parã e sua mãe tomou para ele uma esposa do Egito.

 

Enquanto isso, Isaque crescia sob os olhos atentos de Sara e os passos firmes de Abraão. O menino era como raiz de oliveira em terra seca, florescendo em meio ao improvável.

 

Mas a fé que nasce precisa ser provada.

 

E o maior teste ainda estava por vir.

 

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Corvo do Silêncio
Enviado por Corvo do Silêncio em 25/07/2025
Alterado em 25/07/2025
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