O caminho entre Harã e os campos do sul era rude e sem ornamentos. O mundo deixado para trás, com seus muros altos e deuses esculpidos em pedra, dava lugar a uma paisagem mais selvagem, onde o céu era o único teto e o vento o único companheiro constante. A terra era árida em muitos trechos, com vales profundos e montes baixos que lembravam os joelhos dobrados de um gigante adormecido. As ovelhas balavam em uníssono enquanto pastavam nos campos de grama escassa, e o tilintar dos sinos pendurados nos pescoços dos animais era o som que marcava o tempo.
Abrão agora era um nômade. Já não era visto como mercador ou homem de negócios, mas como patriarca de uma tribo em constante movimento. Os dias eram longos, marcados pela busca de água e sombra; as noites, silenciosas e frias, embaladas pelas histórias contadas ao redor da fogueira. Sarai, mesmo com seu espírito refinado herdado da vida urbana, se adaptava com elegância. Vestia-se com túnicas de algodão tingidas naturalmente, cobria a cabeça com véus finos e supervisionava os servos com autoridade gentil.
Os anos se passaram como poeira levada pelo vento. A promessa feita por Deus em Ur ainda queimava no peito de Abrão, mas o cumprimento dela parecia cada vez mais distante. Ele envelhecia, e Sarai também. Ambos sabiam que os ciclos da fertilidade haviam cessado para ela, e isso os feria como agulhas invisíveis.
Certa noite, em meio ao silêncio do acampamento, enquanto todos dormiam, Abrão saiu de sua tenda e caminhou até um monte próximo. O céu era uma tapeçaria viva de estrelas. Ali, de pé, envolto pelo perfume das ervas noturnas e pelo sussurro do vento, ele clamou.
— Senhor… como saberei que me darás essa terra? Que farei? Já se passaram tantos anos... e não tenho herdeiro.
A resposta não tardou. A mesma Voz que o chamara em Ur agora enchia o ar ao seu redor.
— Sai da tua tenda, homem. Olha para os céus. Conta as estrelas, se é que podes… Assim será tua descendência.
Abrão olhou para cima, os olhos marejados, e acreditou. Ainda que o tempo zombasse de sua fé, seu coração permanecia ancorado na promessa do Eterno.
No dia seguinte, obedecendo à orientação divina, ele preparou um ritual de aliança. Trouxe uma novilha, uma cabra e um carneiro, todos com três anos de idade, além de uma rola e um pombinho. Partiu os animais ao meio, colocando-os em duas fileiras com uma passagem entre eles. As aves, por serem pequenas, foram colocadas inteiras. Esse era um rito antigo, conhecido entre os povos da Mesopotâmia, em que as partes faziam uma aliança solene, passando entre os animais partidos para dizer: "Se eu quebrar este pacto, que me suceda como a estes."
Quando a noite caiu e uma escuridão densa cobriu a terra, um terror profundo tomou conta de Abrão. Seus joelhos tremiam. E então, no silêncio absoluto, um braseiro fumegante e uma tocha acesa passaram por entre os pedaços dos animais. Nenhum ser humano segurava aqueles objetos. Eles se moviam sozinhos, como se carregados pela própria presença do Deus Altíssimo.
Foi ali que a aliança foi selada. Deus prometeu dar aos descendentes de Abrão toda aquela terra, do rio do Egito ao grande Eufrates.
Dias depois, quando a poeira do ritual havia assentado, Sarai observava Abrão com um misto de admiração e inquietação. Já não era um homem comum. Mesmo os servos o olhavam com respeito quase religioso. Mas a dor ainda queimava nela.
— Abrão… se Deus prometeu que serás pai de uma grande nação, talvez seja por outro ventre. Disse ela certa noite, em voz baixa, quase amarga. — Toma Hagar, minha serva egípcia. Se de mim não podes ter filhos, que seja por ela.
Abrão resistiu. Não era o que desejava, mas também não tinha resposta. E cedeu. Hagar, a jovem de olhos oblíquos e cabelo espesso, foi entregue a ele como esposa secundária, conforme os costumes da época.
Ela concebeu rapidamente, o que trouxe mais peso ao coração de Sarai. A serva, agora gestante, caminhava com o nariz erguido, e Sarai a olhava com olhos feridos e silenciosos. Os dias passaram como espinhos. Quando Hagar passou a desprezá-la, Sarai a humilhou com dureza, e Hagar fugiu para o deserto.
Foi lá, perto de uma fonte de água, que o anjo do Senhor apareceu a Hagar e a confortou, mandando-a retornar. O filho que ela carregava no ventre seria chamado Ismael, significa. “Deus ouve”.
Anos mais tarde, Abrão, já com noventa e nove anos, ouviu novamente a voz de Deus. Mas desta vez, foi mais do que palavras. Foi uma revelação profunda. Deus apareceu a ele e disse:
— Eu sou o Deus Todo-Poderoso. Anda em minha presença e sê perfeito. Farei uma aliança perpétua contigo. A partir de hoje, não serás mais chamado Abrão, mas Abraão, pois te farei pai de muitas nações.
E quanto a Sarai, sua esposa, Deus também falou:
— Ela se chamará Sara, e dela te darei um filho.
Abraão caiu com o rosto em terra e riu, não de zombaria, mas de incredulidade terna.
— Um homem de cem anos pode gerar filho? E Sara, com noventa, pode dar à luz?
Mas Deus insistiu. Sara teria um filho, e seu nome seria Isaque, significa o riso.
Como sinal da aliança, Deus ordenou que todos os homens da casa de Abraão fossem circuncidados. Assim, naquela mesma tarde, sob o calor do sol e o perfume seco do deserto, Abraão tomou um punhal de pedra e circuncidou a si mesmo, a Ismael e a todos os homens da sua tribo. Era o sinal gravado na carne da promessa eterna.
E assim, enquanto as estrelas surgiam no céu sobre as planícies de Canaã, a esperança renascia. Sara, ainda que silenciosa, trazia no olhar um brilho diferente. Abraão caminhava entre os seus com passos firmes. Algo novo estava por vir.
E a história ainda estava apenas começando.
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