Corvo do Silêncio
"Onde o mundo grita, o Corvo do Silêncio escreve, e no som das palavras, a alma desperta."
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Textos

Capítulo 1

A Jornada de Abraão

Entre Promessas e Sacrifícios

 

O Chamado e a Promessa

 

O sol ardia sobre as vastas planícies de Ur dos Caldeus, uma terra de opulência e tradição, onde o Eufrates serpenteava como uma serpente de bronze sob o brilho incandescente do céu. Ali, entre zigurates imponentes e ruas de pedra batida, homens negociavam em mercados vibrantes, trocando especiarias vindas do Oriente por tecidos tingidos e cerâmicas finamente decoradas. O aroma de incenso misturava-se ao cheiro adocicado das tâmaras maduras, enquanto sacerdotes entoavam cânticos para os deuses da cidade.

 

Abraão, ainda chamado Abrão, era um homem de meia-idade, de pele curtida pelo sol e olhos profundos como poços antigos. Filho de Terá, pertencia a uma linhagem de mercadores e pastores, próspera em terras férteis. Vestia um manto de linho sobreposto a uma túnica de lã, enquanto suas sandálias de couro já estavam marcadas pelas estradas de tantas caravanas que acompanhara. No entanto, havia algo em seu espírito que o inquietava, uma insatisfação sutil que nem a riqueza de Ur, nem a segurança de sua posição podiam preencher.

 

Naquela noite, a lua ergueu-se como um disco de prata, iluminando os telhados planos e os pátios internos das casas. Abrão repousava sob um toldo de linho quando uma presença envolveu o espaço ao seu redor. Não era vento, não era som, mas um peso invisível que pressionava seus ossos e inflamava sua alma. Ele sentiu um temor reverente e ficou imóvel.

 

Então, a Voz soou, não como palavras humanas, mas como trovão contido, como a batida do oceano contra rochas eternas.

 

— Sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei.

 

Farei de ti uma grande nação, te abençoarei e engrandecerei o teu nome. E tu serás uma bênção.

 

As palavras penetraram em seu ser como lâminas de fogo. O que aquilo significava? Deixar Ur? Deixar sua família, suas posses, os templos e mercados que conhecia desde menino? Uma parte de seu coração se contorceu na dúvida, mas outra, mais profunda, sentiu uma certeza inabalável. Esta voz não era como as preces vazias dos sacerdotes de Ur. Esta voz... era viva.

 

Ele ergueu-se de súbito, ofegante, os olhos arregalados fitando o céu límpido. O silêncio parecia rugir ao seu redor. Por um instante, pensou em ignorar aquele chamado, tratá-lo como um sonho febril. Mas não havia dúvida: o Eterno havia falado com ele.

 

Pela manhã, o brilho do sol iluminou as ruas de Ur com sua opulência habitual. Homens vestidos com túnicas coloridas conduziam jumentos carregados de mercadorias, crianças corriam entre os vendedores de tâmaras e vinho de palmeira. Mas nada disso parecia mais o mesmo para Abrão. Seus passos eram pesados, como se já estivesse em terra estrangeira.

 

Ao chegar em casa, encontrou Sarai, sua esposa. Seu rosto, sempre expressivo, franzia-se levemente ao vê-lo inquieto. Seu cabelo negro era trançado com fitas douradas, e seu olhar perspicaz analisava cada detalhe de seu semblante.

 

— Algo te perturbou. Disse ela, erguendo uma das sobrancelhas.

 

Abrão hesitou por um instante, mas então falou, sua voz mais baixa do que pretendia:

— Deus me falou.

Sarai franziu ainda mais o cenho.

— Qual deus?

 

— O Deus verdadeiro. O Eterno. Ele me ordenou que deixemos Ur, nossa família, nossa terra.

Um silêncio denso instalou-se entre os dois. Sarai sempre fora uma mulher de espírito forte, e agora seu olhar avaliava cada palavra dita pelo marido.

 

— Para onde? Perguntou, cruzando os braços.

— Ele não disse. Apenas que nos mostrará a terra.

— Então. Vamos deixar tudo para seguir uma voz invisível?

— Não é uma voz. É a Verdade.

 

A incredulidade brilhou nos olhos dela por um momento, mas algo na expressão do marido a fez engolir qualquer resposta ácida. Ela conhecia Abrão melhor do que ninguém. Ele não era um sonhador, não era um homem movido por impulsos. Se estava convencido, algo grandioso realmente acontecera.

 

O dia seguinte trouxe um novo desafio: contar a seu pai, Terá. O ancião, cuja barba grisalha descia até o peito, ouviu as palavras do filho com uma expressão indecifrável.

 

— Isso é loucura, Abrão. Disse, após um longo suspiro. — Deixar tudo? Ir para uma terra que nem sabes onde fica?

 

— Eu confio no Eterno.

 

— E eu confio em anos de experiência e em laços que não se quebram por capricho.

 

A conversa foi dura. Terá tentou dissuadi-lo, mas no fundo sabia que não adiantava. Seu filho havia mudado. E, no fim, decidiu acompanhá-lo, ao menos até Harã, uma cidade ao norte. Talvez ainda houvesse esperança de fazê-lo desistir.

 

Nos dias seguintes, a casa de Abrão transformou-se em um campo de preparativos. Camelos foram carregados com tapetes e vasos, tendas foram dobradas, pães e tâmaras armazenados. Servos murmuravam, alguns duvidavam da sanidade do mestre. Mas ninguém ousava contrariá-lo.

Ló, seu sobrinho, aproximou-se ao entardecer. Era jovem e ambicioso, com olhos vivos e ávidos por novas oportunidades.

 

— Irei contigo, tio. Não quero passar a vida entre paredes velhas de uma cidade velha. Se há uma terra melhor, quero vê-la com meus próprios olhos.

 

Assim, a caravana foi formada. Quando finalmente partiram, Ur ficou para trás como uma memória distante, suas torres sumindo no horizonte poeirento. O vento do deserto soprou sobre os rostos dos viajantes, e cada passo parecia levá-los para o desconhecido.

 

Abrão não olhou para trás. Ele sabia que não poderia. Sua jornada havia começado, e nela estava o destino de algo muito maior do que sua própria vida.

 

— Para onde vamos? Perguntou Sarai, cavalgando ao seu lado.

Abrão ergueu os olhos para o céu estrelado.

 

— Para onde Deus nos guiar.

 

1 - 2 Capítulo

 

Corvo do Silêncio
Enviado por Corvo do Silêncio em 25/07/2025
Alterado em 25/07/2025
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