Corvo do Silêncio
"Onde o mundo grita, o Corvo do Silêncio escreve, e no som das palavras, a alma desperta."
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Textos

Capítulo 5

O Legado de Abraão

 

O tempo seguia seu curso nas planícies de Canaã como o lento deslizar do Jordão entre as pedras. O rosto de Abraão já não tinha a firmeza dos tempos de Ur. Suas mãos tremiam levemente ao erguer os olhos ao céu, e seus passos, embora ainda firmes, eram mais curtos, mais meditativos. No entanto, sua alma era tranquila. Não havia mais pressa, pois aquele que esperara por tanto tempo agora vivia rodeado de promessas cumpridas.

 

Isaque agora era homem feito. Sua voz soava grave pelos campos, seus olhos se enchiam de sabedoria e serenidade. A tenda de Sara, no entanto, havia se tornado silêncio. Ela partira aos cento e vinte e sete anos, e a morte dela marcou um novo ciclo na vida de Abraão, não de fim, mas de legado.

Não havia lugar para sepultá-la entre as tendas nômades, por isso Abraão partiu em busca de terra firme, não apenas para o corpo de sua esposa, mas para firmar raízes no solo da promessa. Foi até os filhos de Hete, um povo que habitava entre os carvalhais e vinhedos do sul. Com humildade e honra, Abraão lhes pediu que vendessem uma propriedade para sepultar sua esposa.

 

— Príncipe poderoso és entre nós, Abraão. Disseram os anciãos de Hete. — Escolhe o melhor de nossos sepulcros. Ninguém te negará.

 

Mas ele insistiu em pagar. Escolheu a Caverna de Macpela, nos campos de Efrom, em frente a Manre. Pesou a prata conforme a medida oficial, na presença de testemunhas, e ali sepultou Sara. Foi o primeiro pedaço de terra pertencente à sua linhagem naquela terra prometida. Um gesto simples, mas eterno.

 

Abraão sabia que o tempo o tocava com mãos delicadas, mas implacáveis. Seu olhar agora se voltava para o futuro, para Isaque. Era necessário que ele tivesse uma esposa, uma companheira que não trouxesse os deuses e os costumes pagãos de Canaã. Por isso, chamou seu servo mais antigo, Eliézer, homem fiel e discreto, que o servira desde os tempos de Harã.

 

— Coloca tua mão debaixo da minha coxa, disse Abraão, como era costume nos juramentos mais sagrados, e jura pelo Senhor, o Deus dos céus e da terra, que não tomarás esposa para meu filho entre as filhas dos cananeus, mas irás à minha parentela, à terra dos meus pais, e de lá trarás esposa para Isaque.

 

Eliézer, leal, partiu com dez camelos, joias, tecidos e servos. A caravana cruzou desertos e vales até chegar à Mesopotâmia, na cidade de Naor. Ali, ao entardecer, parou junto a um poço, onde mulheres vinham tirar água.

 

Ele orou. Pela primeira vez em sua vida, falou diretamente com o Deus de seu senhor:

 

— Senhor, Deus de Abraão, faze que hoje seja bem-sucedida minha jornada. Que a moça a quem eu disser: “Inclina teu cântaro para que eu beba” e que responder: “Bebe, e também darei de beber a teus camelos” seja essa que designaste para Isaque.

 

Antes mesmo de terminar a oração, uma jovem se aproximava. Era bela, de traços puros, e caminhava com graça. Seu nome era Rebeca. E quando Eliézer lhe fez o pedido, ela respondeu exatamente como ele havia orado. A água escorria do cântaro como bênção.

 

Ao descobrir que ela era neta de Naor, irmão de Abraão, o servo ajoelhou-se e adorou ao Senhor. A aliança seguia, a promessa respirava.

 

A volta a Canaã foi tranquila, quase solene. Rebeca viajava montada, envolta em véus finos, o rosto ansioso por conhecer o homem que carregava em si um destino ancestral. Quando avistou Isaque, caminhando pelos campos ao entardecer, ela desceu do camelo e cobriu o rosto. Ele a recebeu com ternura. E a amou.

 

Abraão, ao vê-los juntos, sorriu. Não era um sorriso de contentamento terreno, mas de quem compreende, por fim, o mistério da obediência. Ele sabia que seu tempo se encerrava, mas deixava mais que rebanhos, tendas ou poços. Deixava uma linhagem viva, uma semente que cresceria até o incontável.

 

Anos depois, com o corpo enfraquecido e o olhar ainda aceso, Abraão reclinou-se em seu leito de peles. Pediu que trouxessem Isaque. Ao filho, não entregou espólios nem conselhos complicados. Apenas tocou-lhe o rosto, abençoou-o e disse:

 

— Lembra-te de que Deus é fiel. Que mesmo quando o tempo parece calar, Ele fala. Que mesmo quando tudo parece morrer, Ele dá vida. Anda nos caminhos Dele… como eu andei.

 

E assim, com cento e setenta e cinco anos, Abraão expirou. Não com medo, mas com paz. Foi sepultado ao lado de Sara, na caverna de Macpela. E ali, sob a terra de promessas, descansaram juntos, o pai da fé e a mulher que riu diante do impossível.

 

A história de Abraão não terminou ali. A cada geração, sua fé reapareceria em homens e mulheres que ousariam acreditar no que ainda não viam. De sua descendência surgiriam reis, profetas, pastores e pescadores. E, por fim, viria Aquele em quem todas as famílias da terra seriam benditas.

 

Abraão foi homem, mas tornou-se um nome eterno. E seu legado, uma estrada pela qual toda alma que crê um dia passará.

 

Fim

 

Capítulo 4 - 5

 

Corvo do Silêncio
Enviado por Corvo do Silêncio em 25/07/2025
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