Corvo do Silêncio
"Onde o mundo grita, o Corvo do Silêncio escreve, e no som das palavras, a alma desperta."
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Textos

Capítulo 20

Althéa Noctis

Entre profecias esquecidas, sombras antigas e a batalha final entre a vida e a morte, ela despertará com a marca que poderá selar o destino dos mundos.

 

— Nada deve mudar até o meu retorno com o Vértice de Ethers, declarou Capricórnio, sua voz ecoando pelas paredes da sala subterrânea da Ordem como uma sentença profética.

 

Ele se erguia diante de uma mesa circular de pedra negra, onde os membros fiéis da antiga Ordem do Zodíaco estavam reunidos. Atrás dele, o brasão do morcego cravado na parede exalava uma aura densa, como se respirasse em silêncio junto com todos. A iluminação era escassa, projetada por archotes fixados em suportes de ferro torcido que tremeluziam com chamas esverdeadas, dançando ao ritmo das correntes de ar que pareciam sussurrar orações esquecidas.

 

— Tudo deve permanecer exatamente como planejei. Eu voltarei um dia antes da Convergência da Tríade Celeste, completou, apertando entre os dedos um mapa antigo com símbolos astrais circulares. Três estrelas alinhadas com o coração de Leão e a Lua Negra no zênite. No dia 03 de agosto de 2019, às 3h33. Nesse instante, o véu entre os mundos se partirá.

 

O tom de sua voz era de certeza absoluta, quase eufórica. Seus olhos brilhavam com um fanatismo contido, e os outros o olhavam com temor e fascínio. Sagitário, ao seu lado, bateu o punho fechado contra o peito, num gesto de lealdade. Touro inclinou-se levemente com respeito. Câncer e Áries trocaram olhares cúmplices e sorriram como discípulos prestes a verem o mundo cair sob seus pés.

 

Mas Gêmeos, sentado um pouco afastado, manteve-se em silêncio. Seus olhos percorreram a mesa e depois a sombra que Capricórnio projetava contra a parede. Havia algo... uma inquietação. A facilidade com que haviam conseguido a essência de Aurora, a rapidez da reorganização da Ordem, tudo parecia encenado. Como se alguém mais estivesse jogando, ou manipulando, o mesmo tabuleiro.

 

— Estás calado, Gêmeos. Comentou Capricórnio com um sorriso enviesado, ao perceber o silêncio do outro. Alguma dúvida quanto à vitória?

 

— Nenhuma dúvida... quanto à tua determinação, irmão Capricórnio. Respondeu, com voz mansa. — Apenas sinto que o silêncio de Escorpião nunca é vazio. Pode ser que ele não esteja tão só quanto pensa.

 

Um murmúrio cortou o salão. Capricórnio sorriu, mas havia algo nos cantos de sua boca, um tremor talvez, um espasmo de advertência.

 

— Escorpião é passado. Um resquício de uma ordem falida. Ele não tem mais forças, e nem aliados. A marca da Coruja morreu com Aurora. Sua voz era firme, mas seus olhos fugiram dos de Gêmeos por um instante.

 

Ele então caminhou até o centro do salão. Atrás dele, duas portas de ferro em forma de asas entrelaçadas se abriram com um gemido metálico. Estava pronto para partir.

 

— Cuidem dos símbolos. Protejam a essência. Não confiem em ninguém fora desta sala. Quando eu retornar com a relíquia, no momento exato da convergência, derrotarei Escorpião. E, finalmente, seremos os senhores da vida e da morte.

 

Capricórnio virou-se lentamente. A capa escura esvoaçou em torno de si como uma sombra viva. A adaga em seu cinto refletiu a luz dos archotes por um breve momento antes de ele desaparecer pelas portas, deixando atrás de si o som abafado de suas botas soando pelo corredor de pedra e o cheiro de algo antigo... como sangue e pergaminhos queimados.

 

O silêncio reinou por alguns segundos. Então Áries falou em voz baixa:

 

— Está escrito. Agora é apenas questão de tempo.

 

Mas Gêmeos permaneceu imóvel, seus dedos desenhando círculos invisíveis na borda da mesa. Seu rosto estava sombrio. No fundo de sua mente, uma voz insistia como sussurros sob a terra: Nada é tão simples quando envolve a luz... e a sombra.

 

Gêmeos desviou o olhar, o coração inquieto. Sabia, ou temia, que Escorpião não estaria sozinho.

Andressa permaneceu em silêncio diante do espelho antigo, sua imagem refletida sob a luz dourada das velas altas, que oscilavam suavemente com o ar pesado da sala. O vestido resultado da fusão entre os dois trajes, o dela e o que estava quando ela chegou. Era uma peça magnífica e misteriosa, como saída das profundezas do tempo.

 

O tecido parecia vivo, um veludo negro com reflexos azulados que mudavam conforme a luz, como as penas de uma coruja em pleno voo noturno. Os ombros eram marcados por bordados em relevo de penas em prata fosca, que se prolongavam levemente sobre os braços, como se fossem asas recolhidas. O busto, justo e estruturado, terminava num profundo decote em V, revelando no lado esquerdo do peito a pequena tatuagem da coruja, agora parte da simbologia que a marcava como eleita.

 

A cintura era cinzelada em cetim trançado, como as garras de uma ave de rapina apertando sua presa. A saia fluía até o chão em camadas irregulares que lembravam plumas se desfazendo no ar, um cair de sombras em movimento. Quando Andressa vestiu o traje, sentiu o tecido deslizar por sua pele como uma memória antiga tomando forma. Cada dobra parecia saber onde pertencer. Ela respirou fundo. O vestido parecia falar.

 

Por fim, Matilde se aproximou, sorrindo com os olhos marejados.

 

— A máscara, murmurou.

 

Era o toque final. Andressa a pegou com reverência. A peça era impressionante: uma réplica realista da cabeça de uma coruja-das-neves, com olhos âmbar profundos e penas esculpidas em porcelana translúcida. A parte inferior deixava o queixo e os lábios à mostra, mas a testa e as laterais ocultavam o rosto como um manto cerimonial. Ao colocá-la, Andressa sentiu o peso da história, o poder da linhagem. Como se os olhos da Sacerdotisa de Leão olhassem por ela.

 

Matilde suspirou e segurou as mãos de Andressa.

 

— Agora você é a ponte entre o que foi e o que virá.

 

De uma arca baixa, coberta por um pano bordado com símbolos astrais, Matilde retirou uma caixa longa e antiga. Era feita de madeira escura, com entalhes minuciosos em dourado queimado. No centro, um brasão solar rodeado por um leão rugindo em alto-relevo. Quando abriu a tampa, o cheiro de mirra e tempo escapou como um segredo que Escorpião guardou isso desde a queda da Sacerdotisa de Leão. Disse Matilde com solenidade. — É a arma que ela usou para vencer os nove sacerdotes signos no segundo confronto em que Escorpião venceu novamente Capricórnio.

 

Dentro, repousava um artefato esplêndido: uma adaga cerimonial que mais parecia uma extensão de um cometa. Seu punho era dourado, forjado em forma de juba de leão estilizada, com fios metálicos se abrindo como chamas ao vento. A lâmina, longa e curva, era feita de um metal desconhecido que brilhava com reflexos solares, dourado ao centro, avermelhado nas bordas, como se tivesse sido banhada em fogo eterno.

 

Na base, junto ao punho, havia um pequeno cristal âmbar embutido, pulsava, lentamente, como um coração que ainda batia.

 

Andressa estendeu a mão e tocou o punho. Um arrepio subiu-lhe pela espinha. Quando seus dedos fecharam sobre a arma, um sussurro ancestral soou em sua mente: "Combate a escuridão, eu estarei contigo".

 

Ela sentiu a energia do Leão despertar dentro de si, uma bravura ardente, indomável, como se a voz de gerações soasse por suas veias.

 

Matilde recuou um passo, reverente.

 

— Está pronta. Vamos. Falou Matilde.

 

E pela primeira vez, Andressa não duvidou. Ela era o elo entre a Sacerdotisa de Leão e o tempo presente. A escolhida pela noite, moldada pela luz. E com a lâmina em punho, a máscara sobre o rosto e o vestido ondulando como asas ao vento silencioso, ela deu o primeiro passo rumo ao destino que sempre a esperou.

 

As duas caminharam em silêncio pelos corredores sombrios do casarão. O som dos passos ecoava sob o chão de madeira antiga, e cada vela nas arandelas lançava sombras que dançavam nas paredes com um ar de ritual iminente. Andressa sentia o coração bater forte, não de medo, mas de um pressentimento intenso de que estava prestes a atravessar um limiar sem volta. O vestido novo, com suas penas, símbolos e peso ancestral, a fazia sentir que cada passo soava também no tempo.

 

Pararam diante da porta de madeira escura, talhada com inscrições em um alfabeto que Andressa não reconhecia, mas que a fazia estremecer por dentro como se cada letra pulsasse em seu sangue. Ela hesitou. Olhou para Matilde com um misto de inquietação e deslumbramento.

 

— Matilde… se a Sacerdotisa de Leão morreu como você me contou… Sua voz saiu mais baixa do que ela esperava, então… onde está Escorpião?

 

Matilde desviou o olhar por um breve segundo, mas sorriu.

 

Andressa reformulou, agora com os olhos fixos em Matilde.

 

Continua...

 

Capitulo 19 - 20 - Capítulo 20.1

 

Corvo do Silêncio
Enviado por Corvo do Silêncio em 10/07/2025
Alterado em 29/07/2025
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