Capítulo 20. 1
Althéa Noctis
Entre profecias esquecidas, sombras antigas e a batalha final entre a vida e a morte, ela despertará com a marca que poderá selar o destino dos mundos.
— Lázaro… faz parte disso também?
A pergunta pareceu pesar nos próprios lábios. Era como admitir que tudo, os olhares, as palavras veladas, o passado de Lázaro, finalmente ganhava sentido. E dentro dela, um nó de admiração e dor se formava. Queria acreditar. Queria entender. Mas temia o que ouviria.
Matilde colocou a mão suavemente no ombro de Andressa.
— Você terá todas essas respostas… atrás dessa porta.
O que Andressa viu fez seu coração vacilar.
Ao redor de uma longa mesa de carvalho escuro, talhada com os símbolos da antiga Ordem do Zodíaco e os olhos da Coruja em seus quatro cantos, estavam rostos familiares. Jonas, o editor da Luminária, usava um manto de coloração grafite com detalhes sutis de penas na gola, e um broche em forma de olho prateado sobre o peito esquerdo. A seu lado, sentado ereto, estava Alberto, o taxista que a levara pela segunda vez a Ellenshade, agora revelado como parte da ordem. Seu traje marrom escuro tinha mangas largas que lembravam asas fechadas, e sua postura era de um homem em completo silêncio cerimonial.
Mais adiante, Horácio, o funcionário do IML, vestia um longo manto azul petróleo com linhas prateadas que, de certos ângulos, lembravam o voo de uma ave ao luar. Seus olhos encontraram os de Andressa com uma reverência muda. Kátia, a secretária de Andressa, estava em pé, vestida com um traje cinza escuro com rendas finas, cujos detalhes no busto e nos ombros lembravam discretamente o rosto de uma coruja estilizada, e atrás dela, a própria Matilde já vestia seu manto tradicional, com o brasão da Ordem da Coruja bordado sobre as costas.
Nenhum deles, no entanto, usava vestes mais impressionantes que a de Andressa. Ela era a figura central, a encarnação profetizada, e todos os olhares se voltaram para ela com reverência e espanto.
Na cabeceira da mesa, finalmente, ele. Lázaro. Mas não como ela conhecia.
Ele vestia uma túnica longa e negra, ajustada ao corpo com escamas de couro entrelaçadas, como se fossem os anéis de uma cauda de escorpião. Sobre os ombros, duas placas metálicas polidas lembravam as pinças do animal que representava seu signo. Um elmo cerimonial repousava sobre o encosto da cadeira, era ornamentado com curvas que se entrelaçavam como ferrões, e dois cristais escuros estavam embutidos onde seriam os olhos. A faixa que lhe atravessava o peito era marcada com inscrições antigas que pareciam vivas à luz bruxuleante. Abaixo da cintura, a túnica se abria em camadas diagonais que lembravam o movimento sinuoso do escorpião ao andar em silêncio.
Quando Lázaro ergueu o rosto e viu Andressa entrando na sala, houve um silêncio absoluto.
Seus olhos se arregalaram levemente. Por um instante, parecia que a lembrança da Sacerdotisa de Leão havia ressurgido diante dele. O vestido, a máscara, a postura. Era ela, e ainda não era. Era algo novo, e ainda assim tão antigo quanto as promessas feitas sob as estrelas.
Ele se levantou devagar.
— Ela voltou… murmurou, mas apenas Matilde ouviu. — Não como antes. Melhor.
Andressa, por sua vez, sentia como se cada passo naquela sala colocasse camadas de poeira no passado e luz no que viria. A energia pulsava ao seu redor. Estava ali, entre aqueles que a observavam como guardiões de um segredo ancestral. Mas agora, ela era mais do que a guardiã, era a chave. E nada mais seria como antes.
Ela se aproximou da cadeira ao lado da de Escorpião.
Todos fizeram uma breve reverência. Lázaro a acompanhou com o olhar, e por um momento, Andressa viu não apenas o mestre da ordem, mas o homem que atravessara os séculos, com a dor de tantas perdas, à espera daquele exato instante.
Ela sentou-se.
O ritual estava prestes a começar.
A sala permaneceu em silêncio, com a luz das velas projetando sombras delicadas e trêmulas sobre as paredes cobertas por tapeçarias antigas e símbolos esotéricos. Lázaro levantou-se com lentidão, os movimentos medidos como se carregasse nas palavras o peso de séculos. O manto escuro de escorpião que trajava parecia vibrar sutilmente com a força que emanava do passado, como se as memórias ganhassem forma ao redor de seu corpo.
Ele se posicionou atrás de sua cadeira e apoiou as duas mãos sobre o encosto, erguendo o rosto para olhar cada membro da Ordem da Coruja, e por fim, Andressa. A sala, circular como um antigo tribunal astral, parecia agora um templo de revelações.
— Tudo começou antes mesmo que houvesse tempo contado pelos homens. Disse, sua voz baixa, profunda, e firme como uma profecia que se cumpre. A brisa que passava pelas janelas altas carregava o som das folhas do lado de fora. O casarão parecia escutar com a mesma reverência dos presentes.
— Fui escolhido para a Ordem do Zodíaco, não por nascimento, mas pela indicação do meu irmão. Meu espírito se conectava à terra, ao veneno, ao instinto.
Os rostos ao redor da mesa estavam sérios. Jonas apertava as mãos no colo, Kátia mordia o canto do lábio, Horácio mantinha o olhar fixo nas mãos trêmulas. Andressa, imóvel, sentia cada palavra como se fosse tatuada em sua pele.
— Ele conspirou. Dividiu a ordem. Manipulou os que desejavam ultrapassar as barreiras do tempo. Capricórnio desejava mais do que liderança... ele queria domínio sobre a vida e a morte. Criou com seus seguidores a Ordo Nocturnis.
— O plano foi interrompido. A Sacerdotisa de Leão se levantou. Uma mulher com espírito de fogo e olhos como brasas. Ela reuniu o poder dos astros, e sozinha, derrotou nove dos doze sacerdotes signos. Um a um, ela os venceu, levando Virgem e Libra a abandonar a Ordem. Peixes e Aquário pereceram diante dela. Restaram apenas cinco ao lado de Capricórnio: Gêmeos, Câncer, Touro, Áries e Sagitário.
Andressa sentiu a pele se arrepiar.
— Eu o enfrentei. Capricórnio. Com minha adaga curvada, meu ferrão. E o tive sob meu poder, pronto para pôr fim a tudo. Mas... Leão, enfraquecida após a batalha, precisava de minha energia astral para manter-se viva. Ela disse que o tempo ainda não havia chegado. Ela viu o futuro. E nele, viu você, Andressa.
Lázaro virou-se para encará-la, seus olhos marejados e vibrantes.
— Você é a última descendente direta da Sacerdotisa de Leão. E a primeira a carregar a marca visível da nova Ordem: a Order of the Owl.
Andressa sentiu o coração acelerar. A marca em seu peito, a coruja, parecia agora pulsar com calor, como se respondesse às palavras de Lázaro. Seus olhos marejaram, não de medo, mas de pertencimento.
Lázaro continuou.
— Leão me contou que, quando a marca da coruja renascesse em carne viva, o dia da última tentativa de Capricórnio também estaria próximo. O ataque acontecerá durante a próxima convergência astral. A convergência da Tríade Celeste, completou, apertando entre os dedos um mapa antigo com símbolos astrais circulares. Três estrelas alinhadas com o coração de Leão e a Lua Negra no zênite. No dia 03 de agosto de 2019, às 3h33. Nesse instante, Capricórnio tentará seu domínio.
Continua...