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Textos

Capítulo 19

A Essência da Coruja

Quando o passado reclama o que foi selado

 

 

  O último dos homens-morcegos que atingiu Aurora pelas costas era, na verdade, um servo fiel de Sagitário, um dos cinco sacerdotes remanescentes da extinta Ordem do Zodíaco. A antiga Ordem havia deixado de existir oficialmente em 1665, após o primeiro conflito em Rouen, onde Escorpião triunfou sobre Capricórnio.

 

  A flecha que transpassou o peito de Aurora continha um feitiço antigo, usado apenas pelos Sacerdotes de Sagitário: “O Arcum Noctis” o Arco da Noite. Criado para não apenas ferir, mas capturar a essência vital de seres conectados ao plano espiritual, o feitiço invocava o Círculo das Nove Correntes: nove símbolos antigos que giravam lentamente em torno da vítima após o impacto, drenando a essência enquanto recitavam em sussurros um cântico de desintegração. Aurora, ferida e exaurida, caiu em agonia silenciosa. Sua aura, uma luz dourada intensa misturada com tons prateados, começou a se desprender do corpo como se fosse um véu etéreo dissolvendo-se ao vento.

 

  O homem de Sagitário, vestido com uma armadura que simulava as formas do centauro arqueiro, peito nu, ombreiras em forma de casco e uma capa azul escura cravejada de pequenos arcos cruzados, ajoelhou-se ao lado do corpo. De suas mãos surgiu uma ânfora cerimonial feita de obsidiana azulada e prata antiga, cravejada com inscrições em dracônico antigo. Num gesto cerimonial e silencioso, ele colheu a essência da Coruja de Aurora, selando-a no interior do recipiente. Então, sumiu pelas sombras como um fantasma antigo, retornando à fortaleza escondida da Ordo Nocturnis, aquela com o portão do morcego.

 

  Capricórnio estava à espera. Reunido em sua sala subterrânea, ele observava com olhos frios o círculo de cadeiras ocupadas pelos poucos que ainda restavam da antiga linhagem. Gêmeos, com seu semblante dividido entre o riso e o ódio; Câncer, envolto em um manto de escamas cinzentas; Touro, de braços cruzados como muralhas; Áries, inquieto, bufando como um carneiro prestes a atacar; e Sagitário, que acabava de retornar. A sala exalava o odor de incensos escuros e velas de sangue, e nas paredes estavam as inscrições dos juramentos antigos, feitos diante de Thanather, o fundador da Ordem do Zodíaco.

 

  Virgem e Libra não estavam ali. Haviam desertado depois da derrota em Toulouse e sido punidos com a perda de quase todos os dons. Em seus lugares, estavam dois iniciados: Nihra, uma jovem treinada em rituais de transmutação sombria, e Cael, um estudioso que decifrara o idioma da Penumbra. Ambos leais à Ordo Nocturnis, mas sem a herança das estrelas.

Capricórnio ergueu-se de sua cadeira de líder. Deu dois passos à frente e depositou sobre a mesa um envelope, um envelope obtido por um dos homens de Câncer, subtraída de Katia sob ameaça de machucar sua filha. A verdade, ele nunca estivera com a menina, apenas usou isso para chantagear Kátia.

 

  Dentro do envelope repousavam os segredos mais bem guardados, os códigos e enigmas ancestrais necessários para abrir o sarcófago oculto, onde Lázaro escondera a cópia da relíquia. Sabendo que, após a morte de Aurora, os olhos da Ordem Nocturnis se voltariam com fúria à busca desses segredos, Lázaro agiu antes que o inimigo tivesse tempo de farejar o rastro.

 

  Em um gesto silencioso, confiou o envelope a Horácio, o segundo membro iniciado da Ordem da Coruja, um homem discreto, de fala contida e lealdade imutável. Horácio trabalhava nos arquivos do Institut Médico-Légal (ILM), o Instituto Médico Legal da cidade, precisamente o local onde o corpo de

 

  Aurora havia sido levado para os procedimentos legais.

 

  Lázaro sabia que aquele era o esconderijo perfeito. No coração de um lugar onde tudo parecia se limitar à matéria e à ciência, ele ocultou o que era místico e eterno. Entre laudos, gavetas mortuárias e o perfume discreto de formol, os segredos mais antigos do mundo estariam a salvo, ao menos por algum tempo. Pois nenhum homem ousaria procurar ali, onde a morte já é esperada e o sagrado parece não ter voz.

 

  Nesse instante, Sagitário adentrou a sala com a ânfora. O silêncio foi quebrado. O recipiente com a essência da Coruja foi colocado no centro do altar da sala. Um brilho púrpura escapava da tampa selada.

 

  — "O momento enfim chegou" — disse Capricórnio, os olhos fixos na ânfora. "Eu a encontrei no Monte Ararat, na antiga Armênia. Foi ali, nas profundezas de um antigo templo abandonado dos tempos de Urartu, que Lázaro escondeu a cópia. Um lugar onde apenas a vibração da essência verdadeira poderia abrir o sarcófago. Agora, tudo o que devemos fazer é esperar a conjunção astral."

Gêmeos sorriu com desdém. Touro bufou. Câncer recitou um cântico baixo. Todos aguardavam, conscientes de que, com a relíquia nas mãos, poderiam manipular as fronteiras entre os vivos e os mortos. Gêmeos, no entanto, lançou um olhar de dúvida: temia que Escorpião tivesse deixado mais armadilhas do que aparentava. Mas não ousou contrariar Capricórnio.

 

  Enquanto isso, em Ellenshade, Lázaro preparava tudo para a chegada de Andressa. Sabia que o tempo era curto, e que as lições que ela precisaria aprender não caberiam mais em anos. Matilde, com o semblante sério e os olhos úmidos, bateu à porta do quarto de Andressa.

 

  — "Andressa, você ainda precisa saber algo sobre você. Venha comigo."

 

  Saíram da pousada em silêncio. A noite envolvia Ellenshade como um manto espesso. Atravessaram o campo e chegaram ao casarão. Mas ao entrar, Andressa parou.

 

  O lugar que antes lhe parecera apenas antigo, agora estava transformado. O interior estava preparado como um templo. Candelabros em forma de asas de coruja iluminavam as paredes adornadas com tapeçarias negras bordadas em fios dourados. Símbolos antigos do Zodíaco, mas reinterpretados sob a ótica da nova Ordem da Coruja, estavam gravados no chão em círculos concêntricos. No centro, um altar simples com o brasão da Coruja: olhos atentos, asas semiabertas, e um morcego em entre suas garras.

 

  Andressa levou as mãos à boca.

 

  — "Isso tudo... é real?" sussurrou, com os olhos marejados.

 

  Matilde segurou sua mão.

 

  — "Você nasceu para isso. E hoje, será apresentada à Ordem."

 

  Guiada por Matilde através de um corredor estreito, cujas paredes eram forradas de tapeçarias bordadas com símbolos antigos e traços de constelações esquecidas, Andressa sentia o peso do destino em cada passo. Ao final do corredor, uma porta de madeira escura se abriu suavemente, rangendo como se há séculos ninguém adentrasse aquele aposento.

 

  O quarto era silencioso, iluminado apenas por velas dispostas em semicírculo ao redor de um pedestal de pedra. No fundo, sobre um cabide de madeira entalhado com figuras de corujas e folhas de lavanda, repousava um vestido de aparência ancestral. Era de tom creme levemente envelhecido, como se carregasse a poeira do tempo, com bordados sutis em dourado nas mangas e ombros, formando penas que se assemelhavam às de uma coruja em pleno voo. No forro, invisível a olho nu até o reflexo da vela tocar, a constelação de Leão reluzia discretamente em fios prateados.

 

  — Coloque o seu vestido ao lado deste, Andressa. Disse Matilde com voz baixa, quase reverente.

Com mãos trêmulas, Andressa retirou o vestido que usava, o mesmo que ela usou na sala secreta na pousada de Matilde e o pendurou ao lado do outro. Assim que o tecido tocou o cabide vizinho, um sussurro ecoou pelo quarto como um canto antigo, e o ar pareceu se condensar. Matilde então ergueu a mão esquerda, retirando de uma pequena bolsa de couro um punhado de pó escuro e cintilante. Ela o lançou ao ar em círculos lentos, e em seguida recitou palavras em uma língua esquecida, cheia de harmonia e eco místico:

 

  — Tenebrae avium, unio animae, corvum lumen ostende viam.

 

  O pó pairou como névoa sobre os vestidos, e um brilho tênue começou a pulsar entre os dois. As costuras se moveram como se fossem vivas, os tecidos se entrelaçaram em ondas sinuosas, e as penas dos ombros se alargaram, abraçando uma nova forma. Diante dos olhos maravilhados de Andressa, os vestidos tornaram-se um só, numa fusão perfeita de tempo, essência e propósito.

 

  O novo vestido parecia ter sido tecido da própria noite. Tons profundos de azul-escuro e preto entrelaçavam-se em padrões que lembravam as asas abertas de uma coruja noturna. As mangas longas terminavam em delicadas garras prateadas bordadas nos punhos. O peito era adornado com um broche em forma de olho, como o de uma coruja em vigília, e ao centro, no ventre do tecido, resplandecia suavemente o símbolo da Coruja Noturna: um par de asas erguidas, feitas com fios dourados e fragmentos de pedra-luz incrustadas, que cintilavam ao menor movimento da vela.

 

  Mas foi a máscara que fez Andressa prender a respiração. Diante do espelho, sobre o altar de madeira escura, repousava uma máscara feita de couro fino e penas naturais. As penas em volta dos olhos eram de um branco acinzentado, quase prateadas, que se tornavam mais escuras nas extremidades, como nas corujas-das-torres. O bico era sutil, levemente curvado, esculpido em osso polido e ornado com uma linha de símbolos astrais. As aberturas dos olhos refletiam não só o olhar de Andressa, mas também algo mais, uma ancestralidade silenciosa que despertava dentro dela.

 

  Ela levou a mão ao coração, ofegante, incapaz de conter a emoção.

 

  — É como se o tempo inteiro... esse vestido estivesse esperando por mim. Murmurou.

 

  Matilde sorriu, com os olhos úmidos.

 

  — Ele estava. E agora, você está pronta.

 

  — "Vista-se. Lázaro irá lhe apresentar aos demais."

 

  Ao vestir-se, Andressa sentiu algo mudar dentro de si. Como se camadas antigas de memória e poder começassem a emergir. Era real. Ela era parte de algo maior. E agora, a guerra entre sombras e luz voltaria a ser travada.

 

  A chave fora ativada.

 

 A essência estava em movimento.

 

 E o mundo jamais seria o mesmo.

Continua...

A Sales
Enviado por A Sales em 09/07/2025
Alterado em 09/07/2025
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