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Textos

Capítulo 18

A Casa do Morcego

Quando o passado quebra o silêncio das sombras

 

Ellenshade, 03 de agosto de 2019. O tempo parecia suspenso no ar. Lázaro, com os olhos semicerrados e as mãos cruzadas atrás das costas, permanecia diante da grande janela do casarão.

 

O vidro estava frio, como se tivesse sido arrancado de algum inverno antigo, e seus pensamentos vagavam para um tempo que parecia ter sido apagado da memória do mundo. Daquele ponto alto da casa, ele podia avistar a colina silenciosa onde Aurora jazia. Mais à frente, o que antes era um jardim florido, pulsante de vida, onde Aurora e outras mulheres cuidavam de lavandas, rosas, dálias e jasmins com dedos suaves e esperança no coração. Havia um tempo em que Ellenshade era um refúgio. Crianças corriam pelas vielas de pedra, senhores conversavam ao entardecer, as flores desabrochavam mesmo fora de estação. Tudo ali respirava vida.

 

Desde 1813, Lázaro jamais sentira, de forma clara, a presença de Capricórnio. Seu irmão, seu maior adversário, parecia ter desaparecido entre as fendas do tempo. Mas isso mudou há cinco anos. Foi quando surgiu, em meio às nuvens densas e cinzentas que pairavam sobre a vila, uma casa. Não uma casa comum, mas uma estrutura antiga, maciça, de madeira escurecida pelo tempo, com janelas estreitas, telhado inclinado como um capuz e, no portão de ferro negro, a efígie de um morcego alado em alto-relevo. Era como se aquela construção tivesse se erguido do chão, trazendo com ela o peso dos séculos de silêncio.

 

Naquele instante, Lázaro soube. Capricórnio havia recuperado a réplica da relíquia. O Vértice de Ethers que ele, Escorpião, havia quebrado em fragmentos e cujos segredos transformara em códigos arcanos, ocultos entre escrituras antigas e linguagens perdidas. O verdadeiro texto fora dividido em duas cópias: uma enterrada sob camadas de enigmas em um templo subterrâneo dentro de um sarcófago, protegido por símbolos que apenas a energia da Coruja poderia ativar; a outra permaneceu com ele, guardada entre sua pele e seus ossos, fundida ao seu ser.

 

Olhando aquele portão, Lázaro se recordou da primeira vez que enfrentou Capricórnio, ainda na cidade de Rouen, Norte da França. Seu ferrão de escorpião, uma adaga curva banhada em veneno astral, estava cravado na garganta do irmão. Capricórnio, então, dissera com um sorriso gelado:

 

— Sua fraqueza será sua queda, irmão.

 

E ele estava certo. Pois mesmo no segundo confronto, Lázaro não foi capaz de matá-lo. A Sacerdotisa de Leão precisava da energia astral de Escorpião para se manter viva tempo o suficiente para profetizar a chegada daquela que traria a marca da Coruja. Matar Capricórnio teria desequilibrado o ciclo.

 

Um estalo em sua mente o arrancou da recordação. Aurora. Ela estava sozinha no casarão. E agora, talvez, estivesse em perigo.

 

Com a agilidade herdada de seu dom astral, o dom do escorpião, dado por Thanather, o ser ancestral que fundara a Ordem do Zodíaco, Lázaro correu. As pedras do caminho se desfaziam sob seus pés. O vento silvava como vozes do passado. Mas mesmo com toda sua velocidade, ele não chegou a tempo.

A lua, naquela noite, era um crescente manchado, com três divisões perfeitas no disco branco. Hora: 3h33. O número da marca.

 

A porta da casa estava entreaberta. Dentro, o caos. Corpos estendidos no chão, paredes chamuscadas, quadros caídos, livros rasgados. E no centro da sala, entre estilhaços de vidro e sangue, Aurora. Seus olhos já sem brilho. Seu corpo frio. Mas sua mão ainda empunhava uma adaga com a forma de um leão. Ao redor, corpos vestidos com mantos negros e máscaras de morcego. Homens da Ordo Nocturnis.

 

Lázaro ajoelhou-se. A energia do lugar gritava. Ela lutara. Lutara como uma verdadeira descendente de Leão. Mas um homem espreito nas sombras, disparou uma flecha, que acertou Aurora pelas costas. O golpe final. Ela tombou ali, junto ao pé de lavanda no centro da sala. Mas levou com ela todos os outros.

 

Sabendo que não podia permitir que aquilo fosse atribuído a forças ocultas, Lázaro fez o que era preciso. Com sua energia ancestral, tocou o peito de Aurora e murmurou palavras no idioma antigo da Ordem. O ferimento sumiu, como se nunca houvesse existido. Os corpos, os destroços, tudo foi envolvido em uma ilusão de normalidade. Os policiais encontrariam apenas uma mulher aparentemente adormecida.

 

Matilde, fiel desde o primeiro dia, chamou a polícia. Fingiu surpresa, chorou como uma velha amiga. Quando os agentes chegaram, o protocolo foi seguido: isolaram a casa, tiraram fotografias, levaram o corpo ao necrotério. Nada indicava crime. Nada que ligasse Aurora ao mundo oculto.

 

Depois, Lázaro fez o que seu coração de escorpião mais temia. Levou o corpo de Aurora à colina. O lugar era lindo, o sol brilhava constantemente, cercado de árvores com frutos a colher. Havia sons da natureza. Era como se não houvesse noite, pois até a lua brilhava intensa. A colina impunha satisfação a todos dali em seus dias de visita. E ali, com as mãos trêmulas, ele cavou.

 

Não colocou nome. Não erigiu cruz. E quando colocou a última pedra, o mundo pareceu conter a respiração. Então, a transformação começou.

 

As dia recuaram. O vento soprou frio. A grama deu lugar musgo e tudo em volta era lodo. Pássaros fugiram e árvores secaram. O sol se dissipou dando lugar a neblina constante e nuvens escuras no céu. Ellenshade, aos poucos, começou a definhar.

 

Era o aviso. A luz deixava a vila.

 

De volta ao casarão, Lázaro soltou um suspiro pesado e afastou-se da janela. Cada passo seu soava pelo assoalho antigo. Ele atravessou o corredor, passou pelo salão principal e empurrou a estante que escondia a entrada. Desceu lentamente as escadas até a sala secreta.

 

Ali, onde começaria a próxima parte da guerra.

 

E onde Andressa, marcada pela coruja, finalmente compreenderia seu papel.

 

 

A Sales
Enviado por A Sales em 08/07/2025
Alterado em 08/07/2025
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