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Textos

Capítulo 17

A Colina da Promessa

Quando o silêncio do Escorpião floresceu com o rugido de Leão

 

 

Escorpião escutou cada palavra da Sacerdotisa de Leão. Ali, em seu colo, ele segurava um corpo frio, sem vida, mas em seus olhos ardia uma luz que só os portadores dos dons antigos compreendiam. Seu dom permitia ver além da matéria: ele enxergava a essência. A alma, o espírito, ou como os mais antigos chamavam, a “ascendência astral” de Leão. E ela subia. Era uma figura dourada, envolta em névoas luminosas, como se fragmentos do sol tivessem sido reunidos numa forma feminina. Seu cabelo flutuava sem vento, e seus olhos, mesmo espirituais, ainda brilhavam com o mesmo fogo. Escorpião ajoelhou-se. E chorou. Não por fraqueza, mas por reverência e por uma saudade que passaria o tempo.

 

  Ele a levou para o alto da colina que ninguém ousava visitar. Um lugar sombrio, onde nem mesmo os ventos sopravam. Não havia dia naquele lugar, apenas sombra. A terra era seca, os galhos retorcidos, e o céu sempre coberto por nuvens espessas. Os moradores antigos da região chamavam-na de “Colina Silente”, pois nada crescia ali, e os pássaros se recusavam a sobrevoá-la. Era um espaço onde o tempo parecia ter sido esquecido.

 

 Foi lá que Escorpião a enterrou. Sem lápide. Sem nome. Apenas um círculo de pedras suaves ao redor do corpo, e no centro, um único broto de lavanda, sua flor preferida. Uma oferenda humilde, mas profunda. Ele colocou a mão sobre a terra, sussurrou palavras no idioma antigo dos primeiros sacerdotes, e desceu a colina em silêncio.

 

 Mas então algo impossível aconteceu. O frio começou a ceder. A sombra rareou. Raios de luz penetraram pelas nuvens e as folhas antes secas começaram a se abrir. Novas plantas brotavam do chão, pássaros coloridos surgiam entre os galhos, e o céu se abriu em um azul cristalino. Era como se a natureza celebrasse. Escorpião sabia. Aquilo era a presença viva de Leão, que, mesmo no outro plano, havia abençoado aquele solo com sua energia vital.

 

 Enquanto descia, três borboletas, uma dourada, uma branca e uma púrpura, o acompanharam silenciosamente. Eram presságios, ou talvez as formas físicas da promessa que Leão lhe deixara.

 

 Nos anos seguintes, Escorpião começou a reunir os cinco membros indicados. Como Leão havia pedido. E no dia 03 de agosto de 1813, no mesmo mês da batalha final contra Capricórnio, ele fundou a “Order of the Owl” na vila de “Recamador”, não muito distante de Toulouse, onde tudo havia acontecido. A vila, àquela época, era quase deserta, esquecida pelos mapas, o local ideal para semear um novo ciclo de sabedoria.

 

 Antes disso, ele quebrou a verdadeira relíquia, o “Vértice de Ethers”, um artefato triangular feito de um metal que parecia respirar, com inscrições móveis que se rearranjavam conforme a lua. Mas antes de destruí-la, ele transcreveu todos os seus segredos num códice oculto: como prolongar a vida, como transitar entre planos, como apagar memórias ou restaurar almas.

 

  Fez duas cópias. Uma ele guardou num “sarcófago de pedra escondido sob a cripta da antiga Abadia dos Silvos”, cuja entrada só seria possível ao resolver os enigmas inscritos em seus vitrais: símbolos astrais e geometrias sagradas que apenas alguém com a marca e o conhecimento poderia decifrar. A outra cópia, ele levou consigo. Jurando protegê-la com sua vida.

 

  Durante os “206 anos” que se seguiram à perda de Leão, Escorpião assumiu inúmeros nomes. Viu impérios caírem, reis ascenderem, e as eras se desfazerem. Alguns dizem que ele foi “Vlad Tepes”, o Drácula; outros que foi “Saint Germain”, o eterno alquimista; há quem jure que ele era “Nostradamus”, com visões herdadas da relíquia.

 

  Em 1994, ele chegou a Ellenshade. Matilde, o recebeu na pousada e, de forma surpreendente, tornou-se sua amiga. Escorpião, agora Lázaro, encontrou ali um novo lar. Viveu como um recluso, mas por algum mistério, tornava-se querido por poucos. Adotou uma nova vida como professor de filosofia na cidade vizinha de Montluzat, um vilarejo aninhado entre vales e florestas.

 

  Lázaro não buscava atenção. Porém, nas poucas vezes que aparecia na universidade, Université Étoile Silencieuse, suas tatuagens despertavam curiosidade. Linhas negras em espiral, com símbolos antigos, que pareciam vibrar sob a pele. Estudantes comentavam. Algumas se encantavam. Mas foi Aurora, com seu sorriso sereno e olhos curiosos, quem conquistou o coração adormecido de Lázaro.

 

  Eles se amaram sem medo. Quando Lázaro contou tudo sobre si, ela não fugiu. Pelo contrário. Amou-o ainda mais. Passaram a viver juntos em um pequeno apartamento, até que ele a levou para conhecer um antigo casarão que havia comprado antes mesmo de se estabelecer ali. Uma propriedade esquecida por décadas, mas com alma própria.

 

  Dias depois, já estavam morando juntos no casarão em Ellenshade.

 

 A vila, agora era um refúgio de beleza e paz. Crianças corriam pelas ruas de pedra, pássaros cantavam pelas manhãs, o céu era limpo e dourado. As flores desabrochavam nos jardins, os riachos murmuravam segredos antigos, e havia algo sagrado no ar. Tudo ali vibrava com vida e harmonia.

Tudo... exceto por um detalhe.

 

 Em toda a vila, não havia “um único broto de lavanda”. Nem mesmo no mercado ou nos jardins particulares. Como se a flor tivesse escolhido existir apenas em um lugar. Apenas na Colina de Ellenshade, que agora era um espaço de paz e contemplação, procurado por quem desejava silêncio e inspiração.

 

  Era um santuário velado. E ao soprar do vento, algumas pessoas juravam ouvir o eco de uma voz forte e doce sussurrando entre os galhos:

“Prometa-me. E a ordem renascerá.” Lázaro nunca esquecerá a voz que fez este pedido.

 

Continua...

 

A Sales
Enviado por A Sales em 08/07/2025
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