Capítulo 15
A Primeira Traição
Quando Capricórnio desafiou o Equilíbrio e Escorpião ergueu sua cauda
Andressa ainda não assimilara tudo o que vivenciara. A marca da coruja, revelada por Matilde, ainda ardia em seu peito como um segredo queimando a pele. Naquela noite, no centro da sala secreta, Matilde apagara todas as luzes, deixando apenas uma lâmpada de óleo sobre a mesa. Com a ponta de uma pena mergulhada em uma mistura de enxofre e láudano, ela deslizara sobre o centro do peito de Andressa com lentidão, sussurrando palavras em latim arcaico. Quando o calor tocou sua pele, o desenho da pequena coruja surgiu, nítido, como se tivesse vivido ali o tempo todo, esperando a hora certa para se revelar.
Aos 36 anos, Andressa jamais imaginara pertencer a uma ordem ocultista. Sua vida inteira fora marcada por cética disciplina, palavras afiadas e livros com finais controlados por ela. Descobrir-se descendente direta da sacerdotisa de Leão, viva em pleno 2019, com uma linhagem que remontava ao ano de 1650, parecia saído das páginas de uma história que ela mesma teria recusado escrever. E, mais do que isso, carregar em seus ombros a esperança de derrotar a ordem rival que planejava dominar não apenas os vivos, mas também os mortos, era mais do que poderia suportar.
Ela encarou o vestido pendurado. Ainda parecia vivo, feito das penas de uma coruja de cauda longa, os olhos bordados na altura da gola em um brilho ocre e silencioso. Ela desceu lentamente até o salão da pousada. Ainda havia muito a descobrir. A cabeça girava em mil perguntas, mas o estômago pediu urgência: — Preciso de café, murmurou. Ao pensar isso, lembrou-se do melhor café do mundo e da sua secretária, Kátia. — Meu Deus! Preciso ligar para Joanas Cerqueira, o editor da Luminária. Ele precisa saber que já tenho páginas escritas.
A verdade é que não tinha. Tinha apenas caos. Mas não podia perder a última editora que acreditava em seu nome.
No salão principal da posada, o olhar dela repousou sobre a entrada do compartimento secreto onde tudo se revelara. O espírito leonino em si, altivo, desafiador, queria empurrá-la de volta para aquele lugar. Mas Matilde surgiu antes.
— Bom dia, Andressa, disse com um leve sorriso. — Gostaria de um café?
Ela assentiu e se sentou. Matilde serviu-lhe com cuidado. O aroma era forte, quase cerimonial.
Andressa bebeu em silêncio, sentindo o calor reanimar o corpo.
Enquanto isso, em algum lugar nas memórias do tempo...
O ano era 1650. Pleno século XVII. A Ordem do Zodíaco mantinha o frágil equilíbrio entre a vida e a morte. Os doze Sacerdotes, e representantes dos signos, também conhecidos como Sacerdotes Sacerdotisas do zodíaco guiavam suas decisões por um código antigo: não interferir no destino dos homens. A vida fluía, a morte vinha, e nada deveria ser alterado.
Tudo mudou em 1665. Em pleno inverno, na cidade de Rouen, no norte da França, a peste assolava como uma mão invisível arrastando vidas para os sepulcros. Lares inteiros silenciavam da noite para o dia. O povo clamava por deuses, por milagres. Por salvadores.
Foi então que o Sacerdote de Capricórnio, um homem de olhar cortante e barba bem aparada, vestindo mantos escuros com o desenho de um bode montanhês dourado no peito, levantou-se contra a Sacerdotisa de Leão. Ela, com cabelos avermelhados como chamas e vestes que lembravam a juba real de seu signo de Leão, recusava qualquer intervenção.
— Eles devem aprender com a dor, com a perda. O destino é sagrado, disse ela, erguendo a voz sobre o altar de pedra.
Mas Capricórnio não aceitou. Reuniões secretas foram feitas, em cavernas próximo ao santuário. Um a um, ele conquistou os demais:
— Gêmeos, Libra, Sagitário, Câncer, Peixes, Touro, Aquário, Virgem e Áries, todos prometeram apoio, movidos pelo medo da morte ou pela sede de poder.
Apenas Escorpião se recusou.
— Eu esperava tudo, menos isso de você, Escorpião, disse Capricórnio, com veneno na voz. — Até Touro eu compreenderia...
Escorpião, um homem de feições fechadas, olhos intensos e um manto negro com o emblema de uma cauda curva em prata, respondeu com firmeza:
— Você não tem o direito de mudar os ciclos da vida. A morte vem para todos. Vidas humanas seguem seus deuses, seus caminhos. Nós somos guardiões, não tiranos.
As palavras de Escorpião ecoaram como trovão nas paredes frias da caverna.
Capricórnio explodiu. Partiu para cima do irmão com a fúria de uma fera enjaulada. A briga foi brutal, pedras quebraram, sangue salpicou os mantos.
Escorpião, veloz como seu signo, sacou uma adaga curva e encostou no pescoço do irmão.
— Eu poderia matá-lo agora, e evitar o que está por vir. Mas sou diferente de você.
Capricórnio, com sangue escorrendo pelo ombro, sorriu.
— Sua fraqueza será sua queda, irmão.
A partir daquele dia, a guerra entre os signos começara.
Capricórnio manipulou os outros. Disse que Leão buscava eliminá-los. Disse que Escorpião a protegia por paixão. Disse que a peste era punição divina por causa da relíquia que Leão guardava.
E Escorpião, com sua dor e honra, foi até Leão.
Ela estava em um templo escondido nas colinas geladas. Os olhos felinos encontraram os de Escorpião.
— Eles vêm por você. Capricórnio quer sua liderança e sua vida. Ele já envenenou os outros.
Leão pousou a mão sobre a dele.
— Então lutaremos, Escorpião. Pela ordem. Pelo equilíbrio. Pela vida.
As estrelas naquele céu gelado de 1665 foram testemunhas do início do fim da antiga Ordem do Zodíaco.
E agora, em 2019, o passado bate à porta de Andressa.
A leoa renasceu.
Continua...