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Capítulo 14

A Sala das Cadeiras Vazias

 

  Na sala central da Ordo Nocturnis, Capricórnio, o líder e mais antigo entre os nove, encontrava-se só. A madeira escura do piso rangeu sob seus passos enquanto ele atravessava o ambiente em silêncio. Era um salão austero e sombrio, com aberturas altas que deixavam entrar apenas a luz filtrada do luar. Ao redor da mesa circular, doze cadeiras esculpidas com detalhes astrológicos estavam alinhadas, mas onze delas permaneciam vazias.

 

  Acima da porta principal, repousava um quadro envelhecido, com pintura a óleo datada de 1700. Nele, via-se representada a própria sala da Ordo Nocturnis: uma sala gémea da real, com as doze cadeiras meticulosamente retratadas, sendo duas visivelmente vazias, situadas em lados opostos da mesa. O quadro trazia a assinatura de um artista ocultista e a data 1698 escrita na parte inferior direita. Capricórnio contemplava aquela data com reverência e amargura.

 

  A ordem havia recebido esse nome em homenagem ao morcego, o mamífero noturno que simbolizava para eles o dom da visão através das trevas e a capacidade de movimentar-se entre os mundos: o dos vivos e o dos mortos. A Ordo Nocturnis nascera com o propósito de guardar os segredos da transição da alma, preservar as linhagens dos signos e manter o equilíbrio entre luz e sombra. Mas com o tempo, seus planos tornaram-se mais escuros, mais manipuladores.

 

  — Escorpião e Leão... Vocês atrasaram nossos planos tempo demais. Murmurou Capricórnio, cruzando as mãos à frente do corpo. — Mas a última descendente de Leão está morta. Aurora nos enganou bem, mas não para sempre. Seus olhos agora estavam fixos nas duas cadeiras vazias do quadro. — Só falta você, meu velho irmão...

 

  Enquanto os primeiros raios cinzentos da manhã se insinuavam sobre Ellenshade, a vila mantinha-se coberta por uma bruma constante. Mesmo de dia, a luz do sol parecia sempre barrada por um filtro fantasmagórico. Havia uma quietude opressiva, e os pequenos sinais de vida, uma planta insistente aqui, um gato preguiçoso acolá, mal quebravam o ar sepulcral da região. Nem mesmo as crianças que Andressa vira dias atrás ao retornar estavam visíveis. Tudo voltara ao silêncio.

 

  Na pousada, Andressa despertou com o frio entrando pela janela entreaberta. Sentou-se na cama ainda abraçada pelo edredom. O quarto tinha a mesma melancolia de sempre, com suas cortinas pesadas e o piso de madeira gasta.

 

  — Foi tudo um pesadelo? Murmurou, caminhando até o banheiro. Tirou a camisola e ligou o chuveiro. A água, diferente da última vez, estava morna. Um conforto estranho, como um aviso de que o dia traria respostas.

 

  Enquanto a água escorria por seu corpo, ela pensava na marca. Quando saiu e se olhou no espelho, viu o que antes era apenas um traço discreto: a pequena coruja sobre seu peito esquerdo agora pulsava como se tivesse vida. De tão viva, fez a toalha escorregar de seus ombros. Ela levou a mão até a marca, incrédula.

 

  — Não era um sonho...

 

   Do lado da cama, um vestido estava pendurado, e parecia ter estado ali o tempo todo. Tinha o formato de uma coruja empoleirada. Era etéreo, com tons de marrom, bronze e dourado. Ao se aproximar, pequenas aberturas nas costas do vestido se abriram suavemente, como se asas se esticassem. O tecido brilhou e movimentou-se como penas reais.

 

  No casarão, Lázaro olhava da janela para o túmulo de Aurora. A planta que Andressa vira antes, um broto de uma lavanda, era a única viva entre as pedras cobertas de musgo.

 

  Ele desceu os degraus até a porta e viu uma figura aproximar-se. O vento empurrava a capa da mulher, revelando sua presença.

 

  — É ela, Lázaro. Disse Matilde retirando o capuz. — Aurora não era a última descendente da sacerdotisa de Leão.

 

  Lázaro a encarou com seus olhos profundos. Raramente falava, evitava visitas, mas algo em seu rosto suavizou-se.

 

  — Ela tem a marca. Você viu? Perguntou com a voz rouca.

Matilde fez um gesto sutil apontando para seu próprio peito.

 

  — Exatamente como a sacerdotisa disse que seria, há mais de duzentos anos.

Ele se virou e olhou para o quadro de Aurora. A imagem dela, envolta por luz escura, parecia observá-lo também.

 

  — Prepare tudo. Ordenou. Matilde fez uma leve reverência e partiu.

 

  Na solidão do casarão, Lázaro caminhou até sua escrivaninha. Abriu uma das gavetas e retirou papel, tinta e pena. A câmara estava silenciosa, exceto pelo leve estalo da lareira.

 

  Começou a escrever:

 

  Minha Aurora,

 

  A escuridão tem sido minha única companhia desde que você partiu. Mas esta manhã, algo mudou. Não foi a luz, nem o vento... foi a esperança.

 

  Matilde retornou. E com ela, a confirmação de que você tinha razão. Há uma nova descendente. Ela carrega sua coragem, sua intensidade... e a marca.

 

  Por anos, duvidei de tudo. Mas você sempre disse que a linhagem de Leão nunca seria rompida. Estava certa. E agora, quando ela caminha por Ellenshade, é como se eu visse você de novo.

 

  Em breve, meu amor, talvez tudo se complete. Talvez o tempo, o velho tirano, devolva o que tomou.

 

  Estou preparando tudo. E se os astros quiserem, se a Ordem não nos impedir, você e eu estaremos juntos novamente.

 

  Com toda a eternidade de minha saudade,

 

  Lázaro.

 

  Ele fechou a carta, selou-a com cera negra e guardou no compartimento secreto do espelho ao lado da lareira. Em seguida, caminhou lentamente até o quadro de Aurora, e ali permaneceu por longos minutos, como se conversasse com a ausência.

 

  Fora da casa, a vila dormia de olhos abertos, em permanente crepúsculo. E no coração do mistério, as sombras se mexiam em preparação para o que viria.

 

Continuar...

 

 

A Sales
Enviado por A Sales em 06/07/2025
Alterado em 06/07/2025
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