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Capítulo 13
A Marca, a Coruja e o Conselho Sombrio
A casa com o morcego cravado em ferro forjado no portão datava do ano de 1666, o mesmo ano em que antigos registros apontavam o auge das seitas ocultistas na Europa Oriental. Os arquivos obscuros falavam de uma irmandade chamada “Ordo Nocturnis”, um conselho que atuava entre a fronteira da vida e da morte, cujos membros eram escolhidos por linhagem e sinais marcados na pele.
A casa, de arquitetura gótica, erguia-se isolada além da colina de Ellenshade, envolta em heras e com vitrais escurecidos pelo tempo.
O interior da casa mantinha intacto o ar do século XVII. As paredes estavam cobertas por tapeçarias densas com símbolos arcaicos, os candelabros de ferro negro pendiam do teto abobadado, e uma bruma fria e densa tornava o ambiente pesado. No centro da sala principal havia doze cadeiras altas, cada uma com entalhes representando um signo do zodíaco, dispostos em ordem astral: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes.
No entanto, duas dessas cadeiras estavam vazias há muito tempo: Leão e Escorpião. Os membros das casas regentes dessas cadeiras haviam desaparecido ou, como diziam os mais antigos, ainda não haviam despertado.
O líder da irmandade se levantou. Usava um manto pesado de veludo vinho com detalhes dourados, e seu nome era simplesmente Capricórnio, o guardião do tempo. Seu rosto estava oculto por uma máscara em forma de morcego, com olhos oblongos e chifres sutis.
Com um gesto quase coreografado, dois membros vestidos como morcegos, com asas estilizadas presas aos braços, trouxeram até ele o homem que horas antes entrara pelo portão.
O homem curvou-se em uma reverência antiga chamada “Salto Umbrae”, tocando o joelho esquerdo no chão e o coração com a mão direita. Entregou ao líder um envelope selado.
Capricórnio o recebeu e, com outro gesto, os homens-fantasia o conduziram por uma porta lateral. Poucos minutos depois, um grito agudo cortou o silêncio da sala e, como se seguissem uma sinfonia ritual, os membros presentes disseram em uníssono:
— Que viva o Morcego.
E o líder concluiu:
— Sem rastros, sem vestígios.
Todos curvaram suas cabeças sobre a mesa, um gesto de respeito pela vida que cumpriu sua missão e deixará de existir.
Na sala secreta sob a pousada, Andressa ainda encarava a marca abaixo de sua clavícula. A pele parecia vibrar sob seu toque, viva. Ela esticou os dedos trêmulos e tocou o símbolo com suavidade.
— Como eu nunca vi essa marca antes? Sussurrou.
Estava atordoada. O mundo racional que conhecia parecia se dissipar, dando lugar a uma realidade feita de sombras, signos e segredos.
Matilde, sentada, a observava com empatia.
— Quando você veio a primeira vez a Ellenshade dizendo que queria escrever uma história...
A memória se formou como uma lâmina de luz na mente de Andressa: o primeiro capítulo, os recortes, o cafezinho na rua da sua casa e escritório, o casal que falava de um homem que escrevia cartas para a esposa morta.
— Outras vieram aqui antes de você. Matilde completou, enquanto Andressa vestia sua blusa devagar, deixando o decote em “V” ligeiramente mais aberto para manter visível a marca.
No casarão de Lázaro, ele encarava um espelho antigo. O reflexo mostrava não apenas seu rosto, mas algo que assombrava sua memória: a imagem viva de outro homem, de mesmo semblante e voz, que ele insistia em esquecer. Um fragmento do passado que estava se materializando novamente.
— Andressa. Disse Matilde, agora com um grande livro em mãos. A capa era de couro enegrecido, e havia o desenho de uma coruja com um morcego preso à sua perna direita. — O que vou lhe contar agora é parte da sua origem. E como já disse: pessoas comuns não acreditariam.
Ela abriu o livro, cujas páginas tinhas letras góticas e desenhos em tinta dourada. O símbolo 333 aparecia repetidas vezes entre os textos.
— O IML na pasta que você trouxe... não significa Instituto Médico Legal. Matilde virou uma página. — Significa In Lux Mortem: Na luz da morte.
Andressa sentiu um arrepio percorrer a espinha. A marca parecia ganhar cor. Vibrava.
Matilde então abriu um compartimento escondido na parede. Tirou uma caixa retangular envolta em tecido marrom, com o mesmo símbolo do livro, desta vez sem o morcego preso à perna da coruja. Era feita de madeira antiga, trabalhada à mão, com detalhes de folhas e penas em relevo.
— Vista isso. Disse, entregando a caixa para Andressa.
Ela olhou ao redor, procurando um lugar para se trocar, mas não havia. Matilde nem se moveu, apenas voltou a ler. Andressa entendeu o recado.
Com dignidade e firmeza, retirou as roupas, ficando apenas com a pele arrepiada sob a luz das velas.
Seus movimentos eram lentos, como se reconhecesse o peso simbólico daquele momento.
Ao abrir a caixa, seus olhos brilharam.
Era um vestido longo até os tornozelos, de tecido denso e acetinado, em tons marrons, castanhos e dourados, como a plumagem de uma coruja real. As mangas longas tocavam os pulsos, e havia uma divisão lateral na altura da coxa direita que deixava parte da perna à mostra. O decote em “V” mergulhava até o centro dos seios, deixando a marca totalmente visível.
As luvas eram da mesma cor, e os sapatos tinham acabamento em couro rúceo. Por fim, a máscara: uma cabeça de coruja, entalhada em resina leve, com penas verdadeiras nas bordas.
Ela vestiu a roupa como se nascesse para ela. Cada encaixe parecia moldado à sua forma.
À meia-noite em ponto, a sala começou a mudar. As paredes pareciam recuar, as velas aumentavam sua chama, e o vestido de Andressa ganhou vida, os tecidos movendo-se como asas de uma coruja em voo silencioso.
Era apenas o começo. A história não era mais uma ficção. Era a verdade esquecida. E ela estava ali para reescrevê-la.
Continua...