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Capítulo 12

A Marca do Julgamento

Onde o medo encontra respostas e a pele revela segredos ocultos.

 

 Katia só tinha um pensamento martelando na mente: sua filha, pequena, indefesa, nas mãos de alguém que ela nem sequer sabia quem era. A lembrança da voz ameaçadora que ouvira ao telefone mais cedo ainda a fazia estremecer. Aquela voz não era de um simples chantagista, era uma entidade que carregava o terror nas entrelinhas, que parecia conhecer seus segredos e saber de todos os seus movimentos.

 

 Saiu do escritório de Andressa com o envelope bem apertado contra o peito. O relógio marcava 19h38 da noite. A cada passo sentia os olhos invisíveis daquele homem, ou seja, lá o que fosse pesando sobre seus ombros. A rua estava silenciosa, uma brisa fria lhe roçava o rosto. Atrás dos prédios, a lua começava a subir, inchada e amarelada.

 

 Atravessou correndo a rua estreita, respirando com dificuldade. O coração pulava dentro do peito. Quando chegou à lixeira com o desenho do morcego de asas abertas, olhou ao redor. Ninguém. Com as mãos trêmulas, abriu a tampa, jogou o envelope lá dentro e fechou com rapidez. Quis gritar, chorar, correr para casa. — Meu Deus... por que eu não deixei isso pra lá? — murmurou para si mesma enquanto voltava apressada.

 

 Entrou no escritório, correu até o telefone e, ofegante, pegou o aparelho. — Alô! gritou. Mas só escutou silêncio. Nenhum ruído, nenhum clique, apenas a estática muda do desespero. — Minha filha! gritou novamente, desta vez com a alma rasgando-se na garganta.

 

 Saiu correndo como uma louca. Pegou um táxi no impulso e, quando chegou em casa, bateu à porta com força. Lá dentro, sua filha brincava no tapete da sala, cercada por lápis de cor, papéis e risadas. Ao lado dela, a avó sorriu. — Ela passou o dia todo comigo. Se divertiu tanto... até adormeceu sorrindo. Disse com ternura.

 

 Kátia caiu de joelhos. Chorou como há muito tempo não chorava. Segurou a filha contra o peito, sentindo o perfume doce de sabão infantil e a certeza de que ainda estava viva. Era mais do que emoção. Era um alívio brutal, um milagre silencioso.

 

 Na posada de Matilde, Andressa a acompanha e entram numa porta discreta, no final do corredor da pousada, havia uma passagem estreita, mal iluminada, que descia por escadas de pedra. Andressa hesitou. Está segura disso? Ela se perguntou, olhando para a escuridão abaixo.

 

 Lá embaixo, uma sala circular, com paredes de pedra antiga, estava tomada por velas de todas as alturas. Livros velhos, frascos com substâncias estranhas, uma estante com máscaras antigas, esqueletos de animais pequenos, incensos queimando e um odor de terra molhada. No centro, uma mesa redonda, coberta por um pano de veludo negro, sobre o qual repousavam cartas dispostas com precisão.

 

 Andressa parou na porta. Mesmo sendo racional, havia algo naquela sala que gelava sua alma.

 

 — Entre. Você não quer escrever sua história? Então venha ouvir a verdade. Disse Matilde, agora vestida com um traje de cartomante necromante ou algo parecido: um vestido escuro com mangas longas de renda, colares de ossos antigos e um véu de tule cobrindo parte do rosto.

 

 Andressa respirou fundo e entrou. O cheiro era forte, enjoativo, uma mistura de cravo, enxofre e algo indefinível. Seu olhar foi direto para a mesa.

 

 No centro das cartas, estava a do Julgamento. Ao redor dela, as cartas da Morte, da Lua e do Enforcado. Havia também um pentagrama desenhado sob o tecido, marcado com símbolos que ela não reconhecia.

 

 — Matilde... o que são essas cartas? E por que essa aqui está no centro? Perguntou, apontando.

Matilde suspirou e sorriu.

 

 — Porque esta é a carta que define seu papel nessa história. Você está aqui para revelar o que foi enterrado. E o Julgamento virá para os culpados.

 

 No casarão, Lázaro estava sentado em sua cama. O lugar estava envolto em penumbra. As paredes cobertas por quadros antigos, o ar pesado com o aroma de mirra queimada. O relógio gótico a sua frente marcava 20h45. Ele segurava um segundo caderno idêntico ao que dera pra Andressa e ao que deixou na mesa minutos antes, este, o verdadeiro caderno. Sabia que Andressa poderia chegar à verdade. E sabia que precisava confiar nela. Como tinha certeza que devia ter mais cuidado.

 

 Da janela, a lua cheia se refletia em seus olhos. Para ele, a lua era mais que um astro: era uma entidade silenciosa, testemunha de todos os pactos.

 

 — Sim. Já temos o envelope. Está tudo como o senhor pediu. Deixarei no local indicado pela manhã. Que viva o morcego. Disse uma voz ao telefone.

 

 De volta à câmara subterrânea, Andressa examinava a mesa. Matilde chamou sua atenção:

 

 — Andressa. Sente-se aqui. Apontou para uma cadeira que, até então, não estava ali. Andressa se sobressaltou. — Eu juro que essa cadeira não estava aqui antes.

 

 — É porque agora está. Respondeu Matilde. — O que vou lhe mostrar agora... é algo que pessoas comuns jamais acreditariam.

 

 Matilde permaneceu em silêncio por alguns segundos após sentar-se à mesa coberta por cartas antigas, cristais enegrecidos e símbolos que pareciam desenhados com alguma tinta viva. As chamas das velas tremeluziam ao redor, projetando sombras alongadas pelas paredes de pedra da sala escondida sob a pousada.

 

 Ela então levantou o olhar e fitou Andressa com intensidade. Seus olhos, que até ali pareciam apenas os de uma senhora comum, agora carregavam algo ancestral.

 

 — O que vou lhe mostrar e lhe falar agora é algo que pessoas comuns não acreditariam, disse com voz firme, quase solene.

 

 Andressa manteve-se imóvel, tentando decifrar o tom daquelas palavras. Ela já havia enfrentado muitas situações estranhas desde que chegara a Ellenshade, mas havia algo naquele momento, naquela sala, que a fazia sentir que estava prestes a atravessar um limite do qual não haveria retorno.

 

 Matilde, então, apontou suavemente para a cadeira à frente dela.

 

 — Sente-se, minha filha. A voz agora soava como um sopro, carregada de presságios.

 

 Andressa obedeceu. Cruzou as pernas lentamente, observando cada detalhe à sua volta, e tentou manter o controle da respiração. Suas mãos estavam sobre os joelhos, crispadas, mas ela fazia de tudo para parecer firme. Foi então que ouviu a frase que jamais esperaria naquele contexto:

 

 — Tire a blusa.

 

 Por um instante, o mundo pareceu parar.

 

 Andressa arregalou os olhos, o corpo tensionou-se por inteiro. Ela abriu a boca para responder, mas as palavras demoraram a se formar.

 

 — O quê? — perguntou, não com indignação, mas com surpresa e cautela.

 

 Matilde a olhava com a serenidade de quem sabia exatamente o que estava pedindo.

 

 — Não se preocupe. Não é um pedido sem sentido. Ela se inclinou levemente à frente. — Você precisa confiar. Há algo em sua pele que precisa ser revelado. Algo que não estava lá antes... ou que talvez sempre esteve.

 

 O coração de Andressa acelerou. Seu instinto leonino, aquele que a fazia andar de cabeça erguida mesmo quando diziam que seu talento havia se apagado, tentava protegê-la da vulnerabilidade. No entanto, algo naquela mulher e naquele lugar lhe dizia que resistir era inútil. Que fugir agora seria negar a própria busca por verdade.

 

 Ela passou a mão pelos cabelos, afastando-os do rosto, e suspirou.

 

 — Eu não costumo usar sutiã, gosto da liberdade no corpo, mas hoje... Ela riu de si mesma, um riso nervoso e seco. — Hoje, sem saber por quê, eu coloquei um.

 

 Levantou-se com um gesto contido, desabotoou o casaco de lã e então, lentamente, puxou pela barra da blusa preta que usava por baixo. O tecido subiu, revelando primeiro a barriga lisa, depois o sutiã de renda escura que, até aquele momento, parecia apenas uma escolha comum.

 

 Mas quando a blusa caiu ao chão, Matilde se aproximou, seus olhos fixos na marca que estava no peito esquerdo de Andressa, logo abaixo da clavícula.

 

 — Como imaginei, murmurou com um timbre grave.

 

 — O que é? — perguntou Andressa, com um leve tremor na voz.

 

 Matilde não respondeu de imediato. Tocou levemente a pele da jovem, desenhando com os dedos a marca que agora ali

 

 Do lado de fora da vila, além da colina, a velha casa com portão de ferro forjado surgiu na neblina. No centro do portão, o mesmo morcego da lixeira. Uma silhueta de um homem se movia lentamente, entrando pelos portões pesados. A casa o engoliu como se o esperasse havia muito tempo.

 

Continua...

 

A Sales
Enviado por A Sales em 05/07/2025
Alterado em 06/07/2025
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