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Capítulo 11

Ecos na Caligrafia

Quando tudo começa a se conectar, até o silêncio revela seus segredos.

 

 Lázaro continuava sentado à mesma mesa antiga, de madeira escurecida pelo tempo, marcada por riscos e pequenos entalhes que ele mesmo fizera ao longo dos anos, num gesto quase ritual. A lâmpada de querosene pendurada por uma corrente enferrujada balançava levemente, projetando sombras trêmulas nas paredes revestidas de livros, quadros e lembranças desbotadas de um tempo que poucos lembravam.

 

 Ao redor, o silêncio era quase absoluto, interrompido apenas pelo ocasional estalar da madeira envelhecida e o ranger suave do vento contra as janelas. As cortinas, grossas e opacas, balançavam em lentas ondulações. O ar era denso, como se a casa respirasse com ele, em seu próprio ritmo sombrio. Lázaro, sempre envolto em suas roupas negras, sentia-se mais do que pertencente àquela atmosfera, ele era parte dela. Seus olhos, fundos e intensos, observavam a lua pela janela. Um brilho pálido e ancestral atravessava o vidro embaçado, desenhando no chão uma poça de luz prateada.

 

 Para Lázaro, a lua não era apenas um astro: era sua única confidente.

 

 A escuridão e a mística da noite sempre foram moradas de sua alma escorpiana, intensa, filosófica e obstinada. Seu olhar se perdeu no brilho lunar e, por um instante, sentiu que Aurora o observava através daquela luz silenciosa.

 

 — Aqui. Tome uma xícara de café, ofereceu dona Matilde, quebrando o silêncio que pairava na pequena sala da pousada. Andressa, ainda absorvida pela mensagem oculta na folha do caderno, recebeu a bebida com um leve aceno de cabeça, tentando decidir se o que via era real ou algum jogo psicológico.

 

 — Obrigada. Ela voltou para a mesa, segurando a xícara com ambas as mãos. O calor lhe trouxe uma breve sensação de lucidez. Seus olhos recaíram novamente sobre a folha com a mensagem revelada pela vela.

 

 — Matilde. Chamou, empolgada. — Veja isso. A letra da mensagem! Matilde se aproximou devagar, com um leve franzir de sobrancelhas. — Olhe aqui. Continuou Andressa, pegando o recibo que Matilde o havia dado anteriormente. — Agora, veja isto. Disse, puxando a pasta que lhe fora entregue por Alberico, o técnico do necrotério. Colocou todos os documentos lado a lado.

 

 Matilde observava atentamente, mas seus olhos hesitavam, e a tensão aumentava. A cor fugiu levemente de seu rosto.

 

  — O que você vê em comum entre o recibo, a folha da pasta e a mensagem? Andressa perguntou, ainda sem desconfiar.

 

 Matilde hesitou. Seus lábios se entreabriram, mas nenhuma palavra saiu. Ela buscava uma justificativa que não parecesse evasiva demais. Finalmente, respondeu:

 

 — Letras são apenas letras, minha filha. Podem parecer iguais quando o coração quer enxergar um culpado. Tentou sorrir, mas o sorriso era frágil.

 

 Enquanto isso, na sede da Luminária Editorial o editor-chefe Jornas Cerqueira, um homem de barba grisalha e olhos nostálgicos, permanecia sentado em sua escrivaninha de madeira escura, encarando um quadro antigo. Era uma fotografia dos tempos de glória da editora, com autores consagrados e prêmios nas estantes.

 

 — Tempos ruins. Murmurou, ajeitando os óculos. — Mas acredito que Andressa irá mudar este destino.

 

 Na cidade, no escritório de Andressa, sua secretária Kátia, uma jovem vaidosa de 25 anos, de longos cabelos lisos e negros, sempre maquiada com perfeição e vestida com saias curtas e blusas decotadas, encarava um envelope selado que repousava na gaveta. Seus olhos brilharam de curiosidade. Lentamente, puxou a gaveta.

 

 Mas antes que pudesse abrir o envelope, o telefone tocou.

 

 — Trimmm, trimmm... Dois toques secos.

 

 Kátia, atendeu.

 

 — Alô?

 

A voz do outro lado da linha era grave, rouca e pausada, com um tom ameaçador.

 

 — Escute bem o que vou lhe dizer, e nada acontecerá com a pequena Jamile.

 

 Kátia empalideceu. As palavras lhe faltaram. O coração batia em disparada.

 

 — Diga sim se você entendeu tudo.

 

 — S-sim. Murmurou em lágrimas, mal conseguindo respirar.

 

 — Ótimo. Você recebeu um envelope selado. Pegue-o e vá até o outro lado da rua. Há uma lixeira com um morcego desenhado. Coloque-o ali. Sem perguntas. Sem desvios. Sem truques. Entendeu?

 

 — Farei tudo que você quiser. Por favor, não machuque minha filha...

 

 — Você tem cinco minutos antes do carro de coleta passar. E lembre-se: eu vejo cada movimento seu. Agora vá.

 

 Na vila de Ellenshade, Andressa olhava fixamente para Matilde.

 

 — Preciso ligar pra Kátia. Murmurou, olhando o relógio. 19h45.

 

 Matilde finalmente respondeu, com um tom mais sombrio:

 

 Do lado de fora, o casarão de Lázaro se erguia como uma relíquia de tempos esquecidos. Sua fachada de pedra escura, coberta de musgo, tinha janelas estreitas emolduradas por molduras góticas. Duas gárgulas esculpidas guardavam a entrada principal. O jardim, agora abandonado, parecia em constante estado de inverno.

 

 No interior, o relógio de parede, um artefato gótico herdado de seus ancestrais, marcava o tempo com batidas lentas e profundas. Os ponteiros negros avançavam com pesar.

 

 Lázaro caminhou até o quarto. Sabia que algo mudava. A presença de Andressa não era mais apenas circunstância, era destino. No fundo de um armário de ferro, retirou um pequeno cofre escondido. Lá dentro, um caderno idêntico ao que dera a Andressa. A capa de couro escurecido, com detalhes em relevo, exalava um odor antigo de mistério.

 

 Ele o colocou na mesma mesa onde havia entregado o primeiro. O escorpião tatuado em seu braço parecia pulsar, mas o número 333 havia sumido.

Continua....

A Sales
Enviado por A Sales em 04/07/2025
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