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Capítulo 6

A Semente da Verdade

Nem toda história começa no acreditar, mas no ver

 

  O quarto ainda guardava o aroma amadeirado do uísque barato e da noite fria. Andressa deixou as roupas caírem ao lado da cama com um suspiro cansado. Acendeu a lamparina e aqueceu a água com cuidado. O barulho do líquido aquecendo era quase um mantra silencioso. Quando entrou no banho, deixou a água escorrer por seu corpo como se pudesse apagar a confusão em sua mente.

 

  De volta ao quarto, esfregava os cabelos com leveza, olhando o reflexo de seu corpo nu distorcido na vidraça embaçada. A imagem parecia vulnerável, mas ao mesmo tempo potente, como se ela estivesse entre mundos. Pegou o caderno com mãos ainda úmidas. Ao abri-lo, sentiu a presença de tudo o que havia presenciado, o túmulo, as flores, o silêncio de Lázaro.

 

  — Bom dia, Andressa, disse a voz conhecida de Dona Matilde, surgindo na porta, com um pano de prato ainda em mãos. Pelo visto, o uísque não estava bom... você está com uma cara que ganhou algo e perdeu em seguida.

 

  Andressa sorriu com tristeza. O olhar perdido ainda grudado nas páginas do caderno.

 

  — É bem isso. Confirmou com um suspiro, fechando o caderno devagar.

 

  — Quanto lhe devo? Perguntou, erguendo-se e pegando a pequena carteira que estava na bolsa de ombro. Preciso sair desta vila o quanto antes.

 

  Dona Matilde, porém, não se moveu. Apenas a observou com aquele olhar paciente de quem já viu muita gente ir embora antes de entender o porquê de ter chegado.

 

  — Você ainda não entendeu, não é? Disse num tom sereno. A história que veio contar... ela não começa no acreditar. Começa no ver. No que ninguém quer ver.

 

  Antes que Andressa respondesse, Matilde virou-se em direção à porta.

 

  — Venha comigo.

 

As duas atravessaram a pousada em silêncio. O vento da manhã era fresco, carregado de folhas secas e aroma de terra molhada. Caminharam por uma ruela de pedras até um antigo jardim nos fundos da vila, hoje meio abandonado, mas ainda guardando traços de beleza.

 

  — Este lugar era um paraíso, disse Matilde, olhando ao redor. As crianças brincavam aqui todas as tardes. Havia risos, vida, cor...

 

  Ela apontou para o centro do jardim, onde crescia uma planta solitária.

 

  — Ela vinha todos os dias. Trazia sementes. Floresciam aqui as cores mais lindas. As crianças a adoravam.

 

  Andressa caminhou até a planta. Reconheceu-a na mesma hora: era o broto de lavanda, idêntico ao do túmulo de Aurora. Inclinou-se, tocou delicadamente a folha.

 

  — Essa pessoa... É Aurora? Perguntou.

 

  Matilde permaneceu em silêncio por alguns segundos. O olhar se perdeu no tempo, como se buscasse palavras em um poço antigo de lembranças. Quando respondeu, foi com um pesar sincero.

 

  — Sim.

 

  A brisa soprou entre as duas, como se quisesse embalar aquela revelação.

 

  — Algo aconteceu com você desde que voltou daquela casa. Algo mudou. E algo te fez pensar em ficar, mesmo que você ainda não saiba, disse Matilde, encarando-a com suavidade. Às vezes, a história vem antes da decisão.

 

  Andressa não respondeu. Estava imersa demais no peso das coincidências, nos sinais. Pegou o caderno de novo, como quem segura um mapa.

De volta à pousada, Matilde puxou da gaveta um pequeno recibo com um número rabiscado à caneta azul.

 

  — São R\$ 333,00. Com o uísque incluído, disse com um sorriso breve.

 

  Andressa pagou sem questionar. Algo lhe dizia que aquele número era simbólico, como se o preço estivesse além do dinheiro.

...

  Enquanto isso, na casa de Lázaro, a luz da manhã filtrava-se pelas frestas do velho telhado. Ele estava no jardim nos fundos, o lugar onde Aurora mais sorria. O lugar onde ela dizia que tudo florescia mais rápido, porque o amor ficava no ar.

 

  Lázaro estava ajoelhado junto à terra, as mãos sujas de barro, os olhos fixos no nada. Não plantava. Não colhia. Apenas sentia.

 

  Então, algo se moveu ao seu redor.

 

  Três borboletas surgiram no ar silencioso. A Morpho azul, cintilando como lembrança vívida. A Vulcana, dançando com ousadia. E a Pieris, leve como um suspiro. Elas flutuaram em sua frente, traçando círculos lentos, quase solenes.

 

  Lázaro não esboçou reação. Mas seus olhos seguiram o voo delas até desaparecerem entre as árvores.

 

Era Aurora. Ele sabia.

Continua...

A Sales
Enviado por A Sales em 01/07/2025
Alterado em 01/07/2025
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