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Capítulo 3

O Sopro Que Renasce

Quando o passado chama pelo nome

 

   Andressa estava sentada em sua escrivaninha, os cotovelos apoiados entre pilhas de recortes, cadernos abertos, jornais amarelados e uma xícara de café já frio. Seus olhos estavam fixos na janela, onde a tarde parecia dançar devagar entre as pessoas que caminhavam pelas calçadas. Lá embaixo, o mundo girava. Gente apressada, carros nervosos, vitrines reluzentes. Mas nada disso a tocava. Ela estava ali, parada, como se algo dentro dela tivesse estagnado.

 

  Desde o fracasso do último livro, a chama que sempre a moveu parecia reduzida a brasas. O romance não foi bem recebido. Algumas críticas foram cruéis, outras apenas indiferentes. Blogs disseram que ela havia perdido o toque. Amigos a consolaram com frases de impacto vazio. E um editor, com o cinismo da pressa, dissera: “Nem toda alma foi feita pra contar histórias”.

Mas o que doía não era o silêncio das prateleiras. Era o som dentro dela. O vazio de não se reconhecer mais entre as palavras.

 

  — Por que escrevo mesmo? — murmurou, olhando o próprio reflexo no vidro.

Como sempre fazia nesses momentos, procurava distração entre recortes antigos. A maioria, guardados não por valor, mas por hábito, a mania de colecionar curiosidades, manchetes absurdas, notícias estranhas que talvez um dia servissem de faísca para algo. Foi então que viu o papel, um recorte de jornal sensacionalista, quase engraçado em sua simplicidade:

“Mulher morre misteriosamente e homem escreve cartas pra ela”

Ela riu. Era o tipo de coisa que sua tia recortaria só para comentar durante o chá. Largou o papel com descaso. Mas algo ficou vibrando ali dentro. Uma espécie de inquietação. Uma linha fora do texto, fora da lógica. Como se o que parecia tolo escondesse algo valioso.

Tentou ignorar. Mas o bloqueio criativo não cedia.

 

  Resolveu fazer o que sempre fazia nessas situações: cruzou a rua e entrou no café aconchegante de esquina, com cheiro de baunilha e madeira queimada.

 

  — Esse é o melhor café do mundo, disse sorrindo para a dona, Dona Clarice, uma senhora de avental rendado e olhos curiosos.

— Só é o melhor porque você sempre volta, querida, respondeu ela, já preparando o pedido de Andressa sem que precisasse perguntar.

Sentou-se no canto junto à janela, onde gostava de observar. As palavras vinham mais fáceis ali. Mas naquele dia, ainda não vinham.

 

  Na mesa ao lado, um casal conversava baixinho. Ela não queria ouvir, mas uma frase escapou, cortando o ar como um sussurro dirigido a ela:

— Dizem que lá em Ellenshade tem um homem que escreve cartas pra mulher morta dele... Toda noite, sem falhar.

 

 Andressa ergueu os olhos. O som daquele nome, Ellenshade, cravou-se nela como premonição. Imediatamente, lembrou do recorte que deixara sobre a escrivaninha. O mesmo tema. O mesmo absurdo. Mas agora… não parecia mais absurdo. Parecia um som. Um chamado.

 

  De repente, tudo fez sentido. O recorte. A conversa. O silêncio de dentro. Talvez fosse isso que faltava: uma história que ardesse. Que tivesse mistério, dor, intensidade. E quem sabe, redenção.

Seus pensamentos foram varridos por uma onda de lembranças do último ano. As noites choradas em silêncio. Os lançamentos esvaziados. As mensagens de leitores que haviam desaparecido. As vozes ao redor dizendo que talvez fosse hora de parar. Mas Andressa nunca soube parar. Era leonina. Caía, mas nunca sem fogo. E ali, naquela pequena coincidência, que para ela nunca era só acaso, ela sentiu um sopro. Algo se mexera no escuro.

 

  Voltou correndo para casa. Pegou o recorte. Digitou “Ellenshade” no computador. Poucas referências. Um vilarejo esquecido, escondido entre florestas e colinas enevoadas. Uma nota sobre o frio, outra sobre a igreja. Nenhuma informação turística. Tudo parecia saído de uma lenda.

 

  Era perfeito.

 

  A decisão veio como relâmpago. Em poucas horas, arrumou a mala, separou cadernos, livros, gravador, máquina fotográfica. Não contou a ninguém. Precisava que essa viagem fosse dela. Só dela.

No dia seguinte, depois de horas de estrada, curvas perigosas e um céu que parecia escurecer mais cedo do que o normal, ela chegou.

 

  A vila parecia dormir mesmo à luz do dia. As casas eram antigas, de pedra e madeira, as janelas apertadas como olhos desconfiados. Havia um silêncio que não era vazio, era espesso, cheio de alguma coisa não dita.

 

  Parou diante da pousada. Uma placa de ferro balançava com o vento: Pousada da Dona Matilde.

Assim que entrou, o cheiro de canela e alfazema a envolveu como uma memória de infância. A dona apareceu quase em seguida, uma mulher de cabelos presos em coque e olhar que media o coração antes do nome.

 

  — Bem-vinda. Tem reserva? — perguntou.

 

  — Não, mas... espero que tenha um quarto. Vim escrever. Sobre... histórias antigas.

A mulher a observou com mais atenção, como quem já soubesse.

 

  — Temos um quarto, sim. Mas... cuidado. Algumas histórias, quando contadas, não querem mais ir embora.

 

 Andressa sorriu. Sentiu-se em casa pela primeira vez em meses.

 

 — Eu sei. E é exatamente por isso que estou aqui.

Continua..

 

A Sales
Enviado por A Sales em 01/07/2025
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