Corvo do Silêncio
"Onde o mundo grita, o Corvo do Silêncio escreve, e no som das palavras, a alma desperta."
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Textos

Capítulo 5

O Homem e o Mistério

 

O céu, que antes rugia em tempestade, agora repousava num silêncio que pesava mais que o trovão. A poeira assentava-se devagar sobre a pele ferida de Jó, enquanto seu coração, agora nu de certezas, batia como um tambor longínquo. Diante de Deus, não restava argumento, nem queixa. Só o espanto. Só o pequeno homem, diante do Infinito.

 

O Senhor falava, não como os homens falam, mas como a criação inteira parece sussurrar desde o início dos tempos. As perguntas ecoavam como martelos: “Onde estavas tu, quando lancei os fundamentos da terra? Acaso te tens um braço como o de Deus?” Cada palavra golpeava não para ferir, mas para revelar: a arrogância humana se desfaz perante o mistério da existência.

 

Jó, o homem que suportou perdas, dor e silêncio, agora encontrava-se em reverência profunda. Os olhos que choraram filhos mortos agora vertiam lágrimas diferentes, não mais de desespero, mas de rendição. “Falei do que não entendia”, disse ele, ajoelhado, com a alma em ruínas e reconstrução. “Antes, eu te conhecia só de ouvir; agora, os meus olhos te veem.”

 

O orgulho que antes se escondia sob a capa da justiça foi desfeito. Porque às vezes, para ver Deus, é preciso que tudo o que somos seja quebrado. E ali, no chão, entre as cinzas e as perguntas, Jó foi reconstruído. Não por promessas humanas, nem por lógica teológica, mas pela verdade viva do encontro.

 

Deus voltou-se aos amigos de Jó. A voz que acalmou os mares era agora firme. “Vocês não falaram o que era reto a meu respeito como o meu servo Jó.” O castigo não caiu como poderiam esperar, pois ali se ensinava a mais difícil das virtudes: o perdão. Jó, o injustamente acusado, ora por aqueles que o feriram com palavras. Na oração, um novo milagre: o peso do julgamento se converte em alívio, e a ira de Deus é aplacada.

 

E a vida, que parecia finda, floresceu de novo. Como o deserto que, depois da seca, enche-se de flores sem que os olhos percebam como. Jó recebeu o dobro do que perdera. O que era cinza, virou cor. O que era ausência, tornou-se riso de crianças e perfume de terra molhada.

 

Sete filhos e três filhas nasceram-lhe, e entre as filhas, diz-se que não havia mulheres tão formosas em toda a terra. E ao contrário dos costumes da época, Jó deu a elas herança entre os irmãos, como a declarar que, diante da graça, todos são dignos.

 

Viveu mais cento e quarenta anos. Viu filhos, netos e bisnetos. Mas, mais do que isso, viveu com olhos que aprenderam a ver além da dor. Pois há sofrimentos que nos fazem perder tudo… menos a fé. E é ela quem reconstrói o que nem o tempo alcança.

 

Esta história ressoa como um espelho: quantas vezes buscamos sentido nas perdas, tentando entender os caminhos do divino com os mapas da razão? Jó nos lembra que nem toda dor é castigo, nem todo silêncio é abandono. Às vezes, o céu se cala porque há lições que só se escutam no deserto.

 

Aprendemos que a fidelidade não depende da bonança, mas da entrega. Que perdoar os que nos ferem é um passo divino. E que o homem, mesmo em sua fragilidade, pode ser morada de grandeza quando aceita o mistério da vida com fé.

 

No final, não foi a riqueza devolvida que deu sentido à história. Foi o coração transformado. A confiança não mais baseada em merecimentos, mas na confiança pura: Deus sabe. Deus vê. Deus é Deus.

 

E para quem sofre hoje, entre úlceras invisíveis e perdas sem nome, que fique este consolo eterno: a história ainda não terminou. Pois Deus, que sonda os corações, também restaura os cacos, e faz do pó, novamente, um homem inteiro.

 

Fim

 

 

Capítulo 4 - 5

Corvo do Silêncio
Enviado por Corvo do Silêncio em 21/08/2025
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