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Assim como o barro ganha forma entre os dedos, meus versos nascem do silêncio, do sentir e da entrega. Eu não escrevo apenas palavras, eu vivo o que escrevo. (Convido a ler meu perfil)
Há algo profundamente mágico no processo de criação. E hoje, enquanto escrevo, me dou conta disso com mais clareza. Talvez porque eu sinta em mim o que muitos não veem: talvez por conhecer tão bem a história da bíblia sobre o oleiro é que tenho o cuidado (aprendi aqui no Recanto com os melhores) com cada detalhe, o amor escondido em cada rascunho, a emoção que paira antes mesmo da primeira palavra e todo o sentimento que vai te fazer viver ou se identificar com o que eu escrevo.
Sempre que penso nisso, lembro do oleiro. Vejo-o caminhando até o depósito de barro, escolhendo com atenção aquele punhado de terra (argila) que, aos olhos dos apressados, parece igual a todos os outros. Mas o oleiro sabe: há barro que fala com as mãos. Ele sente, pesa, molha, gira. Com calma, ele molda, pacientemente. Dá forma, afina curvas, corrige falhas. Depois deixa o tempo agir. E é aqui que tá o segredo, o tempo e então vem o fogo. E só depois de tudo isso, o vaso se mostra inteiro, belo, único. Quanto será que o oleiro gastou nesta obra?
E assim sou eu, quando escrevo. E é assim que são os poetas escritores, tempo para o poeta não é dinheiro, é empenho, é dedicação, é um vaso bem feito, é um poema com alma.
Quando escrevo um poema, um conto, como o de Carla em “Cidade das Uvas” ou “O Coração Queimado de Lázaro” mesmo uma crônica ou ainda uma simples carta é um ritual. Não há pressa, não pode haver. Preciso sentir o que estou prestes a dizer. Me recolho, busco silêncio, observo o mundo.
Às vezes levo dias apenas pensando, outras vezes me lanço de imediato, como se uma força me empurrasse para a folha. E quando começo, gasto papel, rabisco, volto, risco, tento de novo. Assim como o oleiro, precisa tocar com cuidado, eu preciso no mínimo senti, viver ou entender o que vou escrever.
Minhas maiores inspirações vêm da natureza, da lua que entra pela janela, do som da chuva na madrugada, do vento que dança com as cortinas. E, claro, do amor. Do amor vivido, do amor sonhado, do amor partido (esse eu entendo muito bem, é um viver constante eu e ele). É nesse estado que escrevo. E foi num desses dias comuns que foi toma um café próximo ao meu local de trabalho, era pouco mais de sete e meia, e tudo começou...
Um lugar simples, com cheiro de pão fresco e vozes baixas. O barista (pessoa especializada na apresentação e preparo do café) sorria para os fregueses, as colheres tilintavam em xícaras, e o mundo parecia seguir sem novidades. Até que ela entrou. Uma moça com um casaco bege, cabelos soltos e um ar de outono. Sentou-se perto de mim. Não disse nada. Apenas saboreou o café como quem lê poesia em silêncio. Eu não tinha papel ali, então abri o zap e comecei a escrever, sem pensar em regras ou formas, apenas o que senti naquele momento, não queria perder a inspiração.
E os versos foram estes...
Ela é bonita como o nascer deste dia
Ali na mão, trazia uma beleza pequena
Cabelos soltos e ondulados com perfume de jasmim
Sentou do lado bem perto de mim
O bar com o agito de um dia normal
O barulho dos copos e folha de jornal
O garçom servia café e pão
E ela sorria com o coração
O sol entrava no recanto pela janela
Seus olhos brilhavam como duas estrelas
O café soltava fumaça na xicara em sua mão
E eu escrevia os versos sem ela ver
O silêncio dela não avia palavras
Como o ser que vive, senti e não fala
Da mulher vi a imagem da poesia
Mais bonita que eu próprio dia
Foi embora e a xicara ficou na mesa
Mas dentro de mim a incerteza
O mundo continuou, seguiu a direção
Mas dela ficou a certeza no coração
Não ficou perfeito. Mas tinha sentimento e era verdade. E quando ela terminou o café e se foi, ficou em mim aquele instante. Algo me dizia que havia mais por trás daquela cena. E eu, como oleiro das palavras, lembrei que o oleiro dos vasos se preciso for refaz todo seu trabalho voltei horas depois no intervalo do meu trabalho ao barro, ou seja, ao que tinha escrito. Refiz, repensei, mergulhei no que meus olhos não viram naquele primeiro momento, mas meu sentir captou. Lembrei da luz da vidraça, o movimento dos garçons, o brilho dos olhos dela. Cada movimento ou detalhe que não percebi no primeiro momento. E então, com cuidado, com mais detalhes daquele momento, coloquei o celular do lado, papel e caneta e escrevi de novo, algumas momento depois de voltar ao barro, de revisar o que podia ser melhorado:
Assim ficou...
No Café da Esquina
Ela chegou com passos de manhã serena,
Um livro à mão, no olhar a paz pequena.
Cabelos soltos, perfume de jardim,
Sentou-se ao lado, tão perto de mim.
O bar girava em seu ciclo normal,
O tilintar dos copos, o jornal.
O garçom sorria entre cafés e pão,
E ela sorria sem nenhuma razão.
O sol dançava nos vidros da janela,
E em seus olhos havia algo de estrela.
O café fumegava entre seus dedos,
E eu rascunhava versos e segredos.
Seu silêncio dizia mais que palavra,
Como quem vive, sente e não se lavra.
Uma mulher, imagem de poesia,
Mais bela que o próprio nascer do dia.
Partiu, e a xícara ficou vazia,
Mas dentro de mim crescia a poesia.
O mundo seguiu sua mesma canção,
Mas dela ficou um verso no coração.
Demorei, sim. Reescrevi. Olhei com outros olhos. E percebi que o tempo que levei para moldar esse poema não foi perda, foi vida, foi satisfação do autêntico. Pode parecer cansativo para muitos, mas não para mim, não para os poetas e escritores. Para quem escreve com o coração, esse processo é um mergulho. É sagrado, é se auto explicar, não como o melhor, há sempre um melhor que a gente nesse processo da vida evolutiva, mais como verdadeiro e rel. E esta é a diferença do poetas e poetisas para os (ia,s postas)
Hoje em dia, existem recursos de escrita que entregam textos bonitos em segundos. E eu os respeito. Mas, sendo honesto, não os invejo. Porque por trás desses textos, muitas vezes, não há suor, nem lágrimas, nem vivência, não tem sentimento e aquela chave que o poeta tem, a preocupação de fazer melhor para o seu público, seus leitores. São bonitos, sim. Mas são só bonitos. Não há verdade neles. Não há quem viveu aquele verso. E, por isso, muitas vezes, quem lê não sente, não vive a leitura, não se identifica no texto ou não encontra algo que sugira a ação humana.
Porque falta isso: o sentimento.
Eu acredito que o que define um poeta não é o tempo que leva para terminar seu texto. É o quanto ele se entrega. É a honestidade do que escreve. É a capacidade de transformar uma emoção em palavras. É dar vida ao que, para muitos, é invisível. E quando a escrita nasce assim, de carne, alma e lembrança, ela toca. Toca quem lê. E, muitas vezes, transforma.
Imagine você se o oleiro tivesse recursos para criar vasos em segundos. Bonitos? Talvez. Mas onde estaria sua alma? Onde o toque, o silêncio, a espera? É esse processo que faz do vaso algo único. Assim também é com a poesia.
Hoje, quero deixar aqui minha gratidão a todos os poetas e poetisas do Recanto. Vocês que, com suas palavras, me ensinaram tanto. Aqui, há mais de doze anos, aprendi a escrever com o que sinto. Aprendi lendo vocês, comentando, recebendo comentários. Cresci com cada verso lido. E fui descobrindo meu jeito, meu ritmo, meu estilo. Aprendi a viver o que escrevo.
Escrevo com as mãos, mas antes com o coração. E por isso, continuo aprendendo, mesmo depois de tanto tempo.
Deixo este pensamento que talvez você compartilhe ou não:
Ser Poeta é Escrever com a Alma não com recurso.
Ser poeta é ser mais do que escritor. É ser um senti dor. É viver com os olhos voltados para os detalhes, com o coração aberto ao mundo. É olhar o cotidiano e ver nele poesia. É transformar dor em flor, saudade em verso, silêncio em rima, fogo em nevoa de amor.
Eu escrevo como todos os poetas, com sentimentos porque não saberia escrever de outro jeito. Minhas palavras carregam meu tempo, meus erros, meus amores e minhas perdas, a minha história. Cada poema meu tem uma parte de mim que eu deixei ali, e os que não tem, é a história de alguém, ou é inspiração vinda natureza, do campo, de uma folha caindo quem sabe. Às vezes com dor, outras vezes com ternura. Mas sempre com verdade.
E é essa verdade que toca quem lê. Porque quando você lê um poema que nasceu de um coração vivo, você sente. Você se vê nele. Você o vive. E isso, nenhum recurso rápido poderá oferecer.
Porque não é só o poema que importa. Importa quem o escreveu. E eu escrevo porque preciso sentir ou o sentir de alguém. Porque quero tocar como sou tocado ao ler outros poemas e um simples comentário nos meus escritos. Porque me entrego. Escrevo com o que tenho de mais humano: a emoção.
E nisso, me torno oleiro. E nisso os poetas e poetisas se tornam olheiros. Moldamos palavras como barro, com as mãos e com o coração.
Com carinho a todos os poetas e poetisa e leitores... Sempre
A Sales.
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