Capítulo 33.3
Epílogo
Memórias em Silêncio
Vozes nas Sombras
Ao centro da colina agora coberta de lavandas, a Guardiã permaneceu de pé.
Ao seu redor, o céu enfim calmo. As borboletas, dourada, violeta e prateada, pairavam em círculo sobre o túmulo duplo, como sentinelas etéreas daquilo que fora vencido... e daquilo que renasceria.
Com os pés descalços sobre o solo ainda morno do impacto final, ela ergueu a espada celestial que selara a convergência. Suas asas translúcidas, um manto que lembrava penas em forma de constelações, tremeluziam levemente à brisa que agora soprava, carregada do perfume novo de Ellenshade.
Diante dos membros restantes da antiga Ordem e dos novos guardiões da Gládia, ela falou.
— Seu nome era Lázaro. Mas ele foi mais que isso.
Foi filho da dor, moldado na perda e alimentado pela promessa. Não buscou glória. Não pediu nada para si. Mas carregou nas costas o peso de eras que não lhe pertenciam.
— Foi o que restou de Leão.
— Foi o que nasceu do pranto de Aurora.
— E agora... é o que se tornará estrela entre nós.
Ela então se ajoelhou. Fincou a espada no chão pela última vez, não como arma, mas como farol. E de sua lâmina brotou uma única flor, uma gládiola prateada que jamais murcharia.
— Ele foi Escorpião. Mas morreu homem. E por isso... vive eterno.
Todos ali abaixaram suas cabeças. Libra chorava em silêncio. Virgem pousou a mão sobre a terra. Os Gêmeos cruzaram os braços sobre o peito e Matilde recitou um cântico antigo da Ordem. Katia segurava nas mãos a insígnia da coruja, agora símbolo passado, e deixou que ela fosse levada pelo vento, para que voasse até onde Lázaro estivesse.
Por alguns instantes, nada se ouviu senão o som do vento passando pelas lavandas.
Mas o mundo… ah, o mundo estava longe de silenciar.
E lá fora...
Enquanto Ellenshade florescia, o resto do mundo voltava a sentir o peso do cotidiano.
As manchetes tentavam, em vão, explicar o inexplicável.
“Colina de Ellenshade: fenômeno geológico ou intervenção divina?”
“Transmissão revela figuras mitológicas em combate no interior da França.”
“ONU pede explicações à França sobre ‘evento sem precedentes’.
O repórter que filmara tudo fora silenciado, ou desaparecera, ninguém sabia. Alguns acreditavam. A maioria zombava. Mas algo era certo: milhares de pessoas no mundo inteiro haviam sentido algo naquela madrugada. Um arrepio. Um sussurro. Um sonho.
Crianças nasceram com marcas em forma de borboleta.
Relógios pararam às 3h33.
Animais agiram como se ouvissem um som que os humanos não podiam ouvir.
E no topo do Vaticano, alguém fechou um livro antigo e o trancou novamente.
A convergência fora interrompida…, mas não apagada.
Homenagem Final e últimas da Guardiã
Ela voltou-se uma última vez à colina. E, de olhos fechados, falou em voz baixa, mas firme, para que os ventos carregassem sua prece:
“Quando os próximos ventos soprarem do Leste...
...quando as borboletas girarem no céu sobre as ruínas...
...quando uma criança sonhar com o rugido de um leão em um campo de lavandas…
…então saberemos: o mal não morre. Ele dorme. E desperta faminto.
Ela se ergueu. Sorriu. E deu as costas ao túmulo.
A história havia terminado.
Ou talvez apenas…
…se calado por enquanto.
Será mesmo o fim?
Na linha tênue entre o céu e a terra, onde o tempo se curva diante do destino, permaneceu o som de uma alma que ardeu por amor, justiça e redenção. Lázaro, o Escorpião, não foi apenas um guerreiro, foi a ponte entre o que fomos e o que ainda podemos ser. Seu coração queimado não simboliza derrota, mas a chama que abriu caminho para uma nova era. As três borboletas, a guardiã e a aurora da nova ordem são o testemunho de que até no mais profundo caos, o bem pode florescer. Ellenshade respira novamente, coberta de lavandas, e o mundo, ainda que sem saber, caminha em silêncio sobre as cinzas da escuridão. Que cada vida tocada por essa batalha encontre propósito na luz deixada por ele. Porque há corações que, mesmo queimados, brilham mais que qualquer estrela, e o de Lázaro, jamais deixará de iluminar.
O meu muito obrigado a você que chegou ao final deste ultimo capítulo de O Coração Queimado de Lázaro, que acompanhou do primeiro ao Ultimo.
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Vém ai Cheiro de Terra Molhada