Hoje escuta-se o falar na imensidão,
Como som vindo do tempo do meu bisavô.
Lá do tempo do couro e do sertão,
Onde nasceu bravura, valentia e amor.
Me dê licença que a história é comprida,
E cada vaqueiro carrega uma vida.
Desde menino, ouvindo história encantada,
De vaqueiros que corriam atrás do gado,
De amores vividos na madrugada,
De um sertão sofrido, mas abençoado.
E entre cercas, rezas e cantorias,
Nascia a lenda das vaquejadas bravias.
Fabião das Queimadas, nome reluzente,
Cantava ao povo com rima decente.
Foi escravo, foi vaqueiro, foi poeta,
Sua alma era de luta sempre aberta.
Na rabeca, sua dor virava flor,
E o sertão o abraçou com amor.
Depois teve Mariano lá no Pantanal,
Homem simples, com olhar angelical.
Guimarães Rosa lhe deu sua caneta,
Pra escrever o saber sem receita.
O vaqueiro falava com a natureza,
Com doçura, coragem e nobreza.
O vaqueiro Jacó não teve sorte,
Foi traído e encontrou a morte.
Mas virou estrela lá em Serrita,
Na missa onde a alma se agita.
Luiz Gonzaga chorou seu irmão,
E o sertão fez-lhe procissão.
Celestino Alves, palavra encantada,
Com voz de trovador da madrugada.
Em verso defendia a tradição,
Das corridas, da vida e do sertão.
Radialista do povo e do chão,
Fez-se guardião da vaquejada em canção.
Zito Barbosa subiu no altar,
Pra a cultura do vaqueiro preservar.
Fez da missa um ato teatral,
De fé, bravura e amor sem igual.
Mais que ator, foi voz verdadeira,
Do vaqueiro, da história sertaneira.
Do sertão nasceu Severino Barbosa,
Chamado com honra de Vaqueiro de Ouro.
Corajoso como onça furiosa,
Ganhou troféu, medalha e tesouro.
Mas sua maior conquista na lida,
Foi Maria, o amor da sua vida.
Kara Véia, cantador apaixonado,
Tinha o aboio no peito guardado.
Levou vaqueiro ao palco da canção,
Com forró, saudade e emoção.
Mas nos bastidores enfrentou dor,
E partiu cedo sem se despedir do amor.
Surge então Mano Walter no cenário,
Cantando o gado, o campo e o rosário.
Foi vaqueiro, cantor e artista,
Fez da sua música uma conquista.
Mostrou ao Brasil inteiro o valor,
Do vaqueiro que carrega amor.
Lá no sertão, onde o gado berra,
Vaqueiros têm sabedoria da terra.
Tratam ferida sem farmácia ou doutor,
Com reza, raiz e muito amor.
A tradição é seu livro sagrado,
Escrito em suor e chão rachado.
No Norte de Minas e no Agreste,
A bravura do vaqueiro permanece.
Mesmo com fivela, arena e rede social,
Ainda enfrentam o boi em ritual.
Vaquejada é cultura, não é só esporte,
É herança que a seca nunca aborte.
Entre tantos homens de couro e fé,
Nasceu uma moça com gênio em pé.
Era vaqueira desde os quinze anos,
Rasgava o mato sem desenganos.
Em dois mil e um deixou a marca,
Do sertão, ela também era arca.
Homens e mulheres do campo valente,
Com coração puro e alma ardente.
Enfrentam sol, espinho e boi brabo,
Mas têm ternura em cada passo.
Amam como ninguém já amou,
E plantam esperança onde ninguém plantou.
O couro do gibão conta história,
De luta, suor e muita glória.
Não é só traje, é proteção,
É armadura do vaqueiro do sertão.
E cada rasgo nele estampado,
É um capítulo que não foi apagado.
O sertão respeita quem enfrenta a dor,
Quem não recua diante do tambor.
E os vaqueiros são como trovão,
Trazem a força da própria região.
Cada um é página viva e ardente,
De um livro que fala do valente.
Nos terreiros batem os cascos firmes,
Nos olhos, brilham sentimentos sublimes.
Aboiam com fé, dom e respeito,
Com saudade guardada dentro do peito.
Porque vaqueiro, mesmo calado,
Fala com o gado e com o sagrado.
As vaquejadas cruzam gerações,
Tocam sanfonas e os corações.
No tempo do bisavô e do neto,
Sempre teve alguém de peito aberto.
Que montou o cavalo com emoção,
E fez do campo sua canção.
Hoje, no alpendre ao entardecer,
Vê-se um menino a escutar e aprender.
Sobre vaqueiros que viraram memória,
Mas ainda vivem na nossa história.
Porque tradição que tem raiz,
Nunca morre, sempre diz.
O velho pai aponta o horizonte,
Ali corri boi, lá perto da fonte.
E o filho sonha em montar também,
Seguir os passos que vêm de além.
Pois vaqueiro não nasce por acaso,
É chamado da terra, um abraço.
Nas feiras, nos palcos e nas vaquejadas,
Têm histórias de amor e de jornadas.
De vaqueiro que lutou contra patrão,
Por justiça, respeito e paixão.
Homens que amaram sem temor,
E defenderam seu sertão com ardor.
Teve vaqueiro que perdeu tudo,
Mas não perdeu a fé, nem ficou mudo.
Teve quem morreu por seu amor,
E quem deixou no mundo seu louvor.
São heróis do couro e da coragem,
Que ainda vivem em cada paisagem.
Este cordel é uma reverência,
Aos vaqueiros e sua existência.
De Fabião ao Mano da canção,
Cada um deixou sua contribuição.
Homens e mulheres que o tempo honra,
Cujas histórias o vento entoa e entorna.
Que o aboio nunca perca o tom,
Que a vaquejada nunca fique sem som.
Que o menino ouça e continue a contar,
O que seu avô viveu sem se calar.
Pois a lenda sertaneja é viva,
Enquanto houver vaqueiro, ela é altiva.
Por isso eu digo com devoção,
Vaqueiro é luz no coração do sertão.
É mais que lida, é mais que labor,
É cultura, memória e puro amor.
Honremos os nomes dessa tradição,
E viva o vaqueiro do nosso chão!
A vocês meus amigos que mesmo de longe colaboraram para este Cordel,