Esta homenagem eu escrevi dois dias depois que
meu pai faleceu no leito
522-1, escrita
em 15 de março
de 2025
Há histórias que não se contam apenas com palavras, mas com lágrimas que escorrem antes mesmo de chegarem ao papel.
Histórias que não cabem em páginas, porque estão gravadas na pele, no coração e na memória.
O homem que me ensinou a viver não foi apenas meu pai. Foi meu porto seguro, meu exemplo de fé e perseverança, meu próprio espelho de superação.
Ao longo de mais de duas décadas, a vida o provou de maneiras que a maioria não suportaria. Foram seis acidentes vasculares cerebrais, cada um levando um pouco de sua mobilidade, mas jamais sua vontade de viver. Quando o quarto AVC o golpeou, não levou apenas movimentos, em meados de 2018 a 2019 não recordo bem, levou também minha mãe, sua companheira de vida, meu amor eterno.
A dor poderia tê-lo destruído, mas ele se reergueu, ainda que com passos curtos e alma cansada.
O quinto AVC o deixou completamente dependente. E foi aí que os papéis se inverteram: os braços que antes carregava os filhos, agora precisava ser carregado.
Entre nós, seus quatro filhos, a filha mais velha tornou-se o pilar de seus dias.
O tempo seguiu, até que uma infecção urinária o levou novamente ao hospital.
O que parecia ser apenas mais uma batalha transformou-se no começo do fim.
Transferido para outro centro de atendimento, sofreu outro AVC durante o trajeto na ambulância.
Esse último o colocou em estado paliativo, onde permaneceu por quase seis meses.
Mas, mesmo nesse tempo, ele nunca reclamou.
Nunca acusou a vida.
Nunca blasfemou contra Deus.
Seu coração era de servo fiel. Mais de vinte anos como evangélico, e uma fé inabalável que lembrava a de Jó, suportando dores que fariam muitos sucumbirem, mas sempre com esperança nos olhos.
Hoje, ao relembrar, não sinto apenas a dor da perda.
Sinto o peso e a beleza do dever de um filho.
Cuidar de um pai, seja ele saudável e ativo ou frágil e enfermo, é devolver, em forma de gratidão, cada instante que ele cuidou de nós.
É amar sem medidas, assim como ele nos amou sem limites.
Que esta história não seja lida apenas como minha.
Que ela seja um chamado a todos os filhos: enquanto houver vida, que haja cuidado.
Enquanto houver respiração, que haja presença.
E quando a vida enfim se despedir, que reste em nós a certeza de termos sido o abraço, o colo e a força que um dia eles foram para nós.
Porque ser filho não é apenas receber a herança do amor.
É devolvê-la, multiplicada, nos dias bons, e, sobretudo, nos dias mais difíceis.
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Filho, se estas forem minhas últimas palavras, que elas fiquem gravadas no seu coração. Não tema a vida, pois ela é um presente, mesmo quando parece dura. Ame com força, perdoe sem demora e nunca deixe o orgulho afastar você de quem ama. Cuide da sua fé, porque foi ela que me sustentou até aqui. Lembre-se: a verdadeira riqueza não está no que temos, mas no que somos para os outros. Eu vou partir em paz, sabendo que você carrega o melhor de mim. Siga firme, meus filhos, e saiba que meu amor jamais terá fim.
Assinado: Pai