Corvo do Silêncio
"Onde o mundo grita, o Corvo do Silêncio escreve, e no som das palavras, a alma desperta."
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Textos

Rosa e a Saudade

 

Desde menina, Rosa era poeira,

Gostava de gado, sol e carreira.

Na garupa do pai, sempre sorria,

Vendo o mundo na pista que ardia.

Enquanto outras sonhavam com salão,

Ela sonhava vaquejar com paixão.

 

Tinha irmão forte, de alma valente,

Campeão do povo, do sertão quente.

Era o orgulho da cidade inteira,

Com seu cavalo e alma guerreira.

Rosa o olhava com tanto amor,

Vendo no irmão seu grande valor.

 

Mas veio a noite que o vento calou,

E com a morte, o sertão chorou.

O irmão caiu em triste acidente,

Na vaquejada onde era valente.

E naquele dia, jurou sem falar:

“Nunca mais nesses cantos vou pisar.”

 

Toda poeira virou dor e ausência,

Na alma de Rosa, pura abstinência.

O som da vaquejada cortava fundo,

Trazia memórias de outro mundo.

Enquanto a cidade voltava a sorrir,

Ela em casa escolhia fugir.

 

Passaram três anos, novas disputas,

Outros vaqueiros, novas lutas.

Mas Rosa negava qualquer convite,

Fechava o peito, sem apetite.

Nem as amigas a convenciam,

Mesmo quando as cores lhe sorriam.

 

Até que num sábado à tardinha,

As amigas chegaram com ladainha:

"Rosa, se visse, iria jurar:

Era teu irmão naquele lugar!"

Um vaqueiro jovem, de bom porte,

Com olhar firme e braço forte.

 

"Ele venceu e foi tão valente,

Montado num baio reluzente!

Se tu visses, Rosa, juro, chorava,

Até na alma ele lembrava!"

Ela silenciou, tentou ignorar,

Mas no fundo começou a pensar.

 

Chegou à final no Limoeiro querido,

Mesmo doída, o tempo era sabido.

As amigas se foram antes,

Com chapéu, riso e muito brilhantes.

Na arquibancada fizeram algazarra,

Torcendo por Pedro com alma rara.

 

Pedro, o vaqueiro da juventude,

Coragem no peito, pura virtude.

Já tinha vencido em justa disputa,

Com honra e raça, na luta bruta.

E aquele dia, era a grande final,

A pista fervia no sol sem igual.

 

Rosa, em casa, com o coração doendo,

As palavras das amigas revivendo.

Sentiu o cheiro da poeira ao vento,

Como se voltasse por um momento.

Levantou sem saber o porquê,

Mas sabia que precisava ver.

 

Vestiu-se simples, com calma e cuidado,

Como se fosse ao seu passado.

Cada peça lembrava outro dia,

Outro abraço, outra alegria.

E partiu, sem falar palavra,

Com o coração batendo em lavra.

 

Quando chegou, o povo em alvoroço,

Gritava o nome com muito fervoroso.

"Pedro! Pedro!", a galera bradava,

O vaqueiro jovem que tanto encantava.

Rosa subiu devagar, com receio,

E o coração fazia um rodeio.

 

Na pista, Pedro vinha ligeiro,

Montado firme, cavalo certeiro.

Laçou o boi com garra e vontade,

A poeira subiu com intensidade.

Rosa parou, o ar lhe faltou,

Quando viu o jeito que ele montou.

 

Era o mesmo gesto do irmão querido,

A mesma alma, o olhar decidido.

Um aperto no peito ela sentiu,

E na arquibancada então sorriu.

Pedro seguia sem vê-la ainda,

Mas algo em Rosa já se finda.

 

A cada passada do cavalo forte,

Rosa sentia o fim da sua sorte.

Não era dor que doía mais,

Era saudade voltando em paz.

E ali, entre palmas e poeira,

O coração dela voltou à certeza.

 

Pedro venceu a disputa final,

Com raça e alma, de modo leal.

A plateia explodiu em louvação,

Mas Rosa só via o coração.

Não era o irmão, era um novo alguém,

Mas que tocava seu peito também.

 

As amigas gritavam: "Rosa chegou!",

E Pedro, ao ver, até se calou.

Reconheceu nos olhos dela o brilho,

Que vinha do tempo e do trilho.

Sorriu sem saber quem ela era,

Mas sentiu que sua alma espera.

 

Naquele momento, entre multidão,

Dois mundos bateram num só coração.

Rosa sentiu que algo voltava,

Como se a vida novamente chamava.

A vaquejada, antes só dor,

Agora trazia perfume de amor.

 

Depois da disputa, Rosa ficou,

E ao fim do evento, não chorou.

Caminhou sozinha até o portão,

Levando no peito outra sensação.

Não mais a dor, não mais saudade,

Mas um novo sopro de liberdade.

 

Pedro seguiu com sua medalha,

E no peito, uma nova batalha.

Pensava na moça de olhar profundo,

Que calou o barulho do mundo.

Sabia que algo havia mudado,

Desde o instante que foi olhado.

 

Nos dias seguintes, Rosa sorria,

Mesmo sem festa ou valentia.

Sentia no peito algo aquecido,

Como se um sonho tivesse renascido.

E ao redor, todos perceberam,

Que os olhos dela enfim viveram.

 

Ela falou: "Talvez eu volte lá,

Ver outra disputa no mesmo lugar.

Talvez não seja como antes foi,

Mas a lembrança já não me dói.

Se a vida quis me surpreender,

Quem sou eu pra não reconhecer?"

 

E voltou. Não só por emoção,

Mas por ouvir de novo seu coração.

Sentou-se onde o povo vibrava,

E viu que a dor, sim, se curava.

Não esqueceu o irmão querido,

Mas aceitou o que tinha vindo.

 

Pedro a viu de novo na arquibancada,

E sentiu que a vida estava virada.

Não era só a fama que queria,

Era saber o nome da moça um dia.

E Rosa, firme, não desviava,

Como se o tempo agora a guiava.

 

Assim, no sertão de sol ardente,

Nasceu um sentir surpreendente.

Entre laços, dor e superação,

Dois destinos fizeram conexão.

E na poeira, entre lágrimas caladas,

Rosa voltou… e foi abençoada.

 

 

A todos o vaqueiros e vaqueiras desse brasil

 

Corvo do Silêncio
Enviado por Corvo do Silêncio em 22/07/2025
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