Foi lá pras bandas de Surubim,
Cidade arretada, no Pernambuco enfim.
Capital da vaquejada, tradição sem par,
Onde o couro canta e o chão faz tremer o ar.
Pedro, vaqueiro de sangue e suor,
Chegou bem cedo, montado com ardor.
Tinha só dezessete e alma valente,
Braço firme, olhar de combatente.
O torneio era grande, cheio de emoção,
Eliminação direta, sem perdão.
Vinte vaqueiros do sertão inteiro,
Sonhavam a glória no chão brasileiro.
Pedro vestia gibão bem curtido,
Chapéu de couro, semblante erguido.
Seu cavalo “Trovão” era ligeiro,
Forte, esperto, bicho companheiro.
Vieram de longe pra competir,
Na esperança do nome subir.
A arena enfeitada com bandeirolas,
Gente nas arquibancadas e nas sacolas.
Tinha milho, rapadura e cuscuz,
E um sol que brilhava feito uma cruz.
Na entrada, um berrante ressoava,
E o povo gritava, a poeira levantava.
Pedro olhava o campo, chão de coragem,
Sentia pulsar sua jovem bagagem.
Seu padrinho dizia com afeição:
"Se cair, levanta, vaqueiro é chão!"
E ali começou a competição,
Com emoção, suor e devoção.
Primeira rodada, Pedro foi certeiro,
Derrubou o boi com jeito ligeiro.
O juiz acenou bandeira vermelha,
O povo gritou: "É fera na telha!"
O coração bateu mais acelerado,
Sabia que o desafio era pesado.
Segunda rodada, veio outro boi,
Mais esperto, ligeiro que só foi.
Pedro esperou o tempo do arranque,
Trovão voou como flecha no flanco.
Pegou no chifre e arrastou pra esteira,
Derrubada limpa, reta, certeira.
A galera aplaudia com força e fé,
Gritavam: "Esse menino tem o axé!"
Mas o próximo duelo seria arriscado,
Contra João das Arábias, experiente e afamado.
Pedro respirou fundo, não se abalou,
Com fé em Deus, a sela apertou.
Na terceira rodada, a tensão subiu,
O boi pulava, quase sumiu.
João derrubou com frieza e saber,
E Pedro? Quase deixou o boi correr.
Mas no último segundo, com garra e suor,
Jogou o bicho no chão com fervor.
Empataram a pontuação geral,
Foi pra sorteio, decisão final.
João seguiu adiante por diferença,
Pedro caiu, mas com reverência.
Ganhou respeito de todo o povo,
Com seu talento rústico e novo.
Na disputa do honroso terceiro lugar,
Pedro voltou com vontade de ganhar.
Contra um vaqueiro de Juazeiro do Norte,
Que tinha boi bravo, de grande porte.
Era a última chance de se provar,
Ou ia embora sem medalha pra mostrar.
O povo gritava com emoção fervente,
“Vai, menino! Mostra que é valente!”
Pedro firmou o corpo, ajustou o laço,
Trovão partiu firme, traçando espaço.
Na hora exata, segurou no chifre,
E deitou o bicho sem perder o pique.
Ganhou o terceiro, saiu ovacionado,
Com o peito cheio, coração alado.
Um troféu de madeira, simples, bonito,
Mas valia mais que ouro bendito.
Pedro sorriu, com lágrimas nos olhos,
Pois venceu com luta, sem dar entulhos.
Depois da prova, foi pra barraca,
Tomar um caldo e mastigar uma macaxeira braba.
Mas seu olhar foi puxado por encanto,
Uma moça vestida com branco e manto.
Cabelos soltos, morena da cor do mel,
Com um brilho nos olhos de carrossel.
Era Rosa, filha do temido coronel,
Que observava a feira com jeito singelo.
Não sabia que os olhos da moça,
Viam Pedro com ternura e força.
Foi um olhar breve, mas suficiente,
Pra acender nele algo diferente.
Ela passava entre as barracas,
Com as amigas rindo, sem máscaras.
Mas quando viu Pedro, parou um instante,
Ele ficou tonto, ficou cambiante.
O troféu na mão quase caiu no chão,
Pois o coração pulou do sertão.
Rosa olhou pra ele e sorriu leve,
Sorriso pequeno, bonito, e breve.
Pedro sentiu que o tempo parou,
Que o mundo sumiu e só ela restou.
Foi a primeira vez que viu poesia,
Num rosto que brilhou como luz do dia.
Ela foi embora sem dizer palavra,
Mas Pedro sabia: algo se crava.
No peito dele ficou tatuado,
O sorriso de Rosa, doce e alado.
Mais que a vaquejada, o boi ou a glória,
Começava ali outra linda história.
Perguntou no povo quem era a moça,
Disseram: “Filha do coronel, moça grossa.”
“Não gosta de ninguém, vive na dela,
Mas é mais bonita que a primavera.”
Pedro pensou, olhando pro troféu:
“Esse prêmio valeu por ver o céu.”
Voltou pra barraca com outro olhar,
Com menos pressa, sem se apressar.
Não era só por fama que montava,
Agora por Rosa o peito galopava.
Não bastava ser vaqueiro campeão,
Tinha que laçar o coração.
No outro dia, antes do galo cantar,
Pedro já tava de novo a sonhar.
Não com o boi ou o campo suado,
Mas com o rosto que viu encantado.
Era vaqueiro, mas também menino,
Que pela primeira vez sentiu destino.
Na volta pra casa, o céu alaranjado,
Mostrava que algo tinha mudado.
Mais que um torneio, ele venceu
O medo do novo que apareceu.
Pois quem vê Rosa, nunca esquece,
E o coração, mesmo duro, se derrete.
Surubim guardou aquela memória,
De um vaqueiro novo, feito história.
Não foi o primeiro no pódio dourado,
Mas foi o primeiro a ser tocado
Por algo maior que competição:
O doce laço da paixão.
E Rosa? Nem sabia direito o que causava,
Mas sua beleza em silêncio falava.
Quem sabe um dia o destino ajunta,
Dois caminhos que o tempo aponta.
Mas ali, no final da vaquejada,
Nascia no moço a chama encantada.
Assim foi Pedro, de alma sertaneja,
Na poeira firme, no peito, a peleja.
Mais que troféu, levou inspiração,
Pra lutar não só com o braço, mas com o coração.
E a história do moço de olhar destemido,
Começou num olhar, num dia esquecido.