Capítulo 33.1
Asas Sobre o Túmulo
Quando a morte sela o fim… e as borboletas anunciam um novo tempo
A luz da convergência havia desaparecido por completo.
Acima da colina, o céu voltava lentamente à escuridão de uma noite comum, mas ninguém ali jamais voltaria a vê-la da mesma maneira. O tempo, curvado e rompido pelas linhas astrais, agora se recompunha como um espelho trincado colando seus cacos. No centro da Colina de Ellenshade, onde o túmulo de Aurora sempre foi a ponte entre os mundos, jazia o corpo de Lázaro, o Escorpião, o último líder da Ordem da Coruja.
E naquele instante, em silêncio profundo, a Ordem da Coruja também deixaria de existir.
Assim como outrora, quando Leão tombou e sua morte selou o fim da Ordem dos Signos, agora era a partida de Lázaro que encerrava o ciclo da Irmandade que ele jurara manter viva. A história se repetia, não em forma de tragédia, mas como renovação.
A presença de Aurora era sentida, mesmo que seus olhos jamais se abrissem. Seu túmulo, envolto agora por fileiras de lavandas recém-nascidas, era a ponte entre os mundos. Aurora fora o elo, o coração entre a vida e a morte. Seu amor por Lázaro, há tanto tempo, fora o início da profecia e o fio condutor de todos os sacrifícios. Ela, filha da luz, filha de Leão, uniu os extremos da existência para que o equilíbrio pudesse ser restaurado.
Na beira da colina, a Guardiã agora caminhava em direção ao túmulo. Atrás dela, os membros restantes da antiga Ordem da Coruja, Katia, Matilde, Horácio, os Gêmeos, Virgem, Libra, observavam em silêncio. Suas expressões estavam lavadas pela dor, mas seus corações não carregavam tristeza. Era como se soubessem que o tempo do sofrimento dera lugar a um novo destino.
Sobre a espada, ainda fincada no solo onde Capricórnio foi vencido, três pequenas borboletas pairavam. Suas asas tremeluziam em tons dourados, róseos e violetas. Elas voaram juntas até os ombros da Guardiã e ali repousaram. Foi então que ela ergueu o rosto ao céu, e algo começou a se manifestar.
As estrelas, que até então estavam tímidas, alinharam-se lentamente como quem reverencia o nascimento de uma nova era.
Ali, em pé diante do túmulo e com as borboletas sobre ela, a Guardiã falou pela primeira vez após a batalha:
— A Ordem da Coruja se despede com honra... E de suas cinzas nasce “A Gládia de Leontheia”.
O nome soou entre as árvores e percorreu as ruínas da colina. “Gládia”, em referência à flor da gládiola, símbolo da memória e da vitória. E “Leontheia”, uma junção antiga do nome Leão com a palavra para “voz” ou “voz viva”.
— Nós seremos a voz viva do Leão, a força das asas que guiam e a luz que atravessa as sombras, disse a Guardiã, com firmeza e doçura.
A Gládia de Leontheia nascia não como uma Ordem de guerra, mas como uma aliança de guardiões silenciosos. Não guiada pelo combate, mas pelo despertar, pelo equilíbrio e pelo resgate da verdade esquecida entre os homens. Onde antes havia lanças, agora haveria memória. Onde havia combate, agora haveria vigília.
Na colina devastada, as rachaduras ainda fumegavam. Marcas de batalhas e feitiços rasgavam o solo. Árvores tombadas pareciam se curvar diante da mudança dos tempos. Mas mesmo entre os escombros, o ciclo da vida resistia. Flores silvestres surgiam entre as pedras, musgos brilhavam com um verde novo. As primeiras aves voltaram a cantar, tímidas, mas presentes. A vida reclamava o que era seu por direito.
Ao redor do túmulo de Aurora, o campo que antes fora seco e silencioso agora explodia em tons lilases. A única lavanda solitária que sempre guardara sua memória agora ganhava companhia. Duas lavandas em destaque cresciam lado a lado: uma simbolizando Aurora, a outra... Lázaro. O amor enfim selado no reencontro do invisível. E ao redor delas, centenas, milhares, de lavandas se espalhavam pelos campos e encostas. Um manto roxo se formava sobre a vila.
Em Ellenshade, as janelas se abriram pela primeira vez em anos. As pessoas saíam para ver o céu que agora se limpava. A lua surgia plena, os sinos da velha capela tocaram sozinhos. Algumas crianças corriam pelas ruas com flores nas mãos, sem saber exatamente por quê. Mas sentindo, de forma instintiva, que o medo havia partido.
A vila voltava a respirar.
E assim, entre silêncio e lavandas, encerrava-se o ciclo de dor iniciado séculos atrás por Capricórnio, e renascia um tempo novo. Um tempo guiado não pela imposição do poder, mas pelo amor sacrificado.
Um tempo onde a memória de Lázaro seria eterna.
E onde três pequenas borboletas marcariam o símbolo de um novo mundo.
Continua...