Corvo do Silêncio
"Onde o mundo grita, o Corvo do Silêncio escreve, e no som das palavras, a alma desperta."
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Textos

Capítulo 33

O Último Veneno do Escorpião

Onde a dor encontrou o amor, e o fim tocou a redenção

 

 

O céu ainda estava abrasado pelas marcas da convergência desfeita. Fragmentos de luz serpenteavam os ventos noturnos como resíduos de uma energia cósmica que tocara o ponto máximo. Tudo ainda girava em câmera lenta para quem sobrevivera.

 

Capricórnio estava no chão, os olhos turvos, o peito arfando com dificuldade. Sua aura astral, aquela que por séculos o fez parecer invencível, agora se dissipava em finos traços de sombra azulada, como uma teia se desmanchando ao vento.

 

Escorpião mantinha o pé firme sobre o peito dele. A respiração era pesada, os olhos inflamados por tudo o que vira e perdera. O silêncio gritou mais do que qualquer guerra. Até que, com a voz de quem traz o peso dos séculos nas costas, ele falou:

 

— Você tinha tudo o que precisava na Ordem dos Signos… Era o terceiro em comando, o mais forte entre todos nós. Nem mesmo Touro com sua força bruta ousaria desafiar você.

 

Ele se inclinou mais, e a voz perdeu a suavidade:

 

— Eu… eu não tinha nada. Só minha pequena vila e o som da fome nas ruas. Mas você me levou até os salões da Ordem dos signos. Para quê? Para me moldar como um peão dos seus planos sujos. Anos nas cavernas, treinando e planejando entre os morcegos, respirando escuridão… E tudo isso só pra derrotar Leão.

 

Capricórnio tentou mexer os lábios. Mas Escorpião o silenciou com um grito seco:

 

— Cale-se!

 

O som do grito soou como trovão pelas colinas. Um trovão de dor e justiça contida.

 

— Tudo o que você fez só trouxe desgraça e sofrimento. Olhe ao seu redor, Capricórnio. Olhe!

 

Capricórnio, ferido, ergueu lentamente os olhos. E ali viu a devastação de seu desejo sombrio.

 

Seus aliados, Touro, Sagitário, Câncer, jaziam espalhados, derrotados ou mortos. Gêmeos, que um dia foram seus seguidores mais engenhosos, estavam agora ao lado de Libra e Virgem. Áries, sem sua aura, rendido como um fantasma. As árvores marcadas pelo fogo dos duelos. O chão enegrecido por sangue e magia. O caos que ele mesmo começara há séculos agora tombava sobre sua consciência.

 

Sua visão embaçada fitou novamente o homem diante dele.

 

Escorpião.

 

A forma astral dele se manifestou completamente. O ar ao redor se retorceu, tremulando em calor e energia como o reflexo de uma chama. As linhas negras em sua pele se fundiram à forma mística de um escorpião colossal. Atrás dele, sua cauda arqueava com uma adaga de luz na ponta, reluzente, viva, letal. O símbolo da morte definitiva. E com intenso brilho o número 333 voltou aparecer.

 

— Cinco grandes sacerdotes signos… mortos por acreditarem nas suas mentiras, disse ele, com voz sombria, o ferrão pairando a poucos centímetros do coração de Capricórnio.

 

Ele se inclinou mais, os olhos como brasa viva.

 

— Você me disse uma vez que minha fraqueza seria o meu fim. Então, irmão…

 

Ele respirou fundo. A aura começou a pulsar intensamente, o ar ao redor carregado de eletricidade cósmica.

 

— ...que minha fraqueza seja o teu fim.

 

O grito mudo dos ventos respondeu. O escorpião astral ergueu o ferrão para o golpe final. O túmulo de Aurora, às costas de Escorpião, parecia brilhar em resposta ao momento. Todos os membros da Coruja assistiam sem piscar. Katia, Matilde, Horácio, Jonas (em espírito), os Gêmeos, Libra, Virgem. Até Áries, no chão, observava com pesar e resignação.

 

A Guardiã da Coruja, em sua plena forma astral, mantinha-se como testemunha silenciosa. Seu vestido branco agora assumira tons cósmicos. As dobras lembravam as penas suaves de uma coruja com asas abertas. Cada movimento parecia desacelerar o tempo. O véu flutuava sem vento, e os olhos dela brilhavam como luas gêmeas. Era um milagre visual. Um símbolo.

 

Escorpião estava a um suspiro de dar o golpe final, mas algo mudou.

 

De repente, a convergência, que já havia concluído seu alinhamento, começou a se desfazer. Lentamente, como se os fios invisíveis que uniam as três linhas perdessem força, a luz se dissolvia.

 

Foi nesse exato instante que Escorpião ouviu a voz.

 

— Escorpião…

 

Ele congelou.

 

Sua aura oscilou. Seus olhos, antes furiosos, agora tremiam. O som daquela voz o levou diretamente ao ano de 1813. Ele e ela, horas antes de enfrentarem Capricórnio pela segunda vez. O toque das mãos, o gosto da despedida, o pacto silencioso de que, se algo acontecesse, ele criaria a Ordem da Coruja.

 

— Não..., sussurrou ele.

 

Virando o rosto, ele viu.

 

Ela.

 

A Sacerdotisa de Leão.

 

Em forma astral. Suave como brisa, intensa como sol. Seu corpo não tocava o chão. Os cabelos flutuavam como chamas douradas, os olhos rasgavam o tempo. Todos se viraram, estáticos. Katia chorou. Os Gêmeos se ajoelharam. Libra fechou os olhos. Virgem recuou um passo, em reverência.

 

Até Capricórnio a viu. E por um momento… sentiu medo.

 

Ela nada disse. Apenas olhou Escorpião. Ele entendeu. A vingança não a traria de volta.

 

E então…

 

Capricórnio, reunindo suas últimas forças, ativou sua aura ao máximo. O punho dele se inflamou em brasas vermelhas. Antes que qualquer um reagisse, ele cravou o golpe direto no coração de Escorpião.

 

Uma explosão de luz carmesim.

 

O corpo de Escorpião voou alguns metros e caiu de joelhos… exatamente sobre o túmulo de Aurora. Ele olhou uma última vez para Leão, depois para a Guardiã, e ali tombou. O Coração Queimado de Lázaro teve seu fim na franqueza que o irmão afirmou séculos atrás.

 

O silêncio caiu como um manto sufocante.

 

Capricórnio tentou se erguer, mas a Guardiã da Coruja se lançou sobre ele com fúria. Suas garras astralizadas cravaram-se em seu peito e o prenderam no chão. Um grito abafado. Sua aura foi extinta ali mesmo. E sua alma… dispersa como névoa em colapso.

 

Capricórnio estava morto. Assim como o livro revelou que seria. Uma coruja com um morcego nas garras.

 

Áries, ainda deitado, ativou uma última vez sua aura. Não para lutar. Mas para fugir.

 

Do alto da colina, um som respondeu. Não um grito. Mas o som do fim.

 

E então, das telas de todo país, surgiu a voz do repórter da pequena emissora local, ofegante, emocionado, em prantos quase:

 

— ...Senhores e senhoras, é com o coração apertado que informamos… está confirmado. O homem chamado Lázaro, sim, o que escrevia cartas pra esposa morta, ele que foi visto liderando os confrontos, tombou há instantes sobre um antigo túmulo nesta colina. Ao que tudo indica, ele morreu protegendo a jovem conhecida como A Guardiã. O que quer que isso signifique… não é só história. É verdade. Estamos presenciando o fim de uma guerra que a humanidade sequer sabia que estava acontecendo.

 

E o mundo, sem entender direito o que era aquilo, soube apenas que algo muito antigo havia terminado. E que um novo tempo estava prestes a nascer.

Continua...

 

Corvo do Silêncio
Enviado por Corvo do Silêncio em 13/07/2025
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