Capítulo 29
A Lança de Dois Fins
Quando a lealdade se rompe e a essência é a única arma
“03:17”
A colina ardia sob o peso da convergência. As linhas astrais já estavam unidas, costurando o céu à terra. O tempo se estilhaçava em segundos eternos, e a escuridão ganhava forma nos recantos da paisagem.
Touro, ferido pela astúcia de Katia e Matilde, levantou-se com um rugido primal. Os olhos dilatados, o corpo trêmulo de raiva e adrenalina. Com um só movimento, girou sobre si, arrancando as duas do chão e lançando-as contra os troncos retorcidos da encosta. Ambas caíram desacordadas.
Respirando como um animal encurralado, Touro virou-se em direção ao centro da colina, onde Escorpião desviava de mais uma investida veloz de Áries.
Sem hesitar, Touro avançou.
E foi certeiro.
O impacto arrancou Escorpião do chão, lançando-o alguns metros adiante. Ao bater contra a terra, rolou por entre pedras e raízes expostas. O ar fugiu de seus pulmões. Ele tentava recuperar o fôlego quando ouviu o grito:
— Esse é o troco, traidor! Berrou Touro com fúria ancestral.
Mas antes que pudesse se vangloriar, uma flecha cortou o ar, vinda de Sagitário. Escorpião viu a trajetória e, num giro rápido, desviou o projétil que seguiu em linha reta e cravou-se no peito de Touro.
O silêncio que se seguiu foi brutal.
Touro vacilou, cambaleou para trás, tentando entender. A flecha não havia sido destinada a ele, mas o atingira por causa da intervenção de Escorpião.
Escorpião, mesmo ferido, ergueu-se com postura altiva e disse, com a voz firme:
— Você sempre foi um seguidor de ordens, Touro... não importa de quem.
O olhar de Touro perdeu o foco. Sua essência, atraída pela flecha amaldiçoada, começou a se dissolver. Ele caiu de joelhos e desmoronou, seu corpo tomado por um brilho pálido que se dissipou no vento.
Sagitário já estava em posição para o golpe final contra Escorpião, que ainda se recuperava. Mas antes que a lâmina curvada tocasse seu alvo, um sopro de vento girou ao redor deles como um turbilhão invisível.
Virgem.
Como uma extensão do próprio ambiente, surgiu do nada, e seu punho, envolto por luz dourada, atingiu Sagitário com tamanha força que ele foi arremessado contra o bosque, voando por entre os galhos com um baque seco ao cair. Atordoado, ele só conseguiu olhar para cima e ver Escorpião se libertando de Áries com um movimento ágil, reptiliano, escoando como um escorpião por entre os braços do adversário.
Virgem avançou sobre Áries com graça e precisão, enquanto Escorpião retomava a missão.
“03:19”
Capricórnio.
Ele ainda se escondia nas sombras da encosta sul, movendo-se rápido e silencioso, eliminando membros isolados da Coruja com movimentos sutis, precisos, letais. Estava perto. Tão perto do ponto de convergência. O tempo era seu inimigo agora. Se não colocasse a relíquia em poucos minutos, o poder escorreria por entre seus dedos como areia cósmica.
“03:20”
Na encosta norte, o momento mais decisivo se formava.
Os Gêmeos se aproximaram furtivos do ponto onde Andressa, a guardiã da Coruja, era protegida. Eles já haviam decidido: não lutariam por Capricórnio. Mas antes que pudessem explicar, foram cercados por membros da Coruja, que brandiram lanças de sombra. As lâminas escuras atravessavam seus corpos sem os cortar, mas drenavam movimento e concentração. Era uma prisão simbólica.
— Rápido! Mas não os machuquem! Gritou a irmã de Gêmeos.
Os dois se moveram com destreza, derrubando um a um com golpes calculados, apenas os desacordando. Quando se aproximaram da Guardiã, uma presença flamejante caiu entre eles.
Libra.
A balança da justiça ou não.
Ela empunhava suas duas espadas com uma velocidade que parecia cortar o próprio tempo. Mas antes que o confronto se agravasse, Gêmeos ergueu as mãos.
— Viemos desperta o poder da guardiã. Disse o irmão.
— Não somos mais seus inimigos. Completou a irmã.
Libra hesitou. Olhou para Andressa. E viu.
Viu o brilho nos olhos da Guardiã. A consciência plena de quem era. De que tudo havia a levado até ali. Ela assentiu levemente com a cabeça.
— Rápidos. Levem-na. Eu abrirei caminho.
E Libra virou-se com ímpeto renovado, enfrentando novos soldados da Ordem Nocturnis que surgiam do sul da colina.
Gêmeos pegaram Andressa pelas mãos. Ela se deixou levar.
“03: 22”
Escorpião, por sua vez, se aproximava do centro. Sabia que Capricórnio estava ali, escondido como uma serpente, pronto para atacar no último instante.
Eles se veriam de novo.
Diante do túmulo de Aurora.
Entre as marcas astrais que ardiam no solo.
Entre a relíquia falsa...
E a espada verdadeira.
O tempo?
“03:22”
Onze minutos restava.
Continua...