Capítulo 28
Alguns Minutos
Quando o tempo se curva diante do destino e da escuridão
Na colina de Ellenshade, a noite já não era apenas escura, ela era viva, vibrante, carregada de luzes astrais que cortavam o céu em direções opostas, como veias de um coração celestial à beira da explosão.
Em Ellenshade e nas cidades vizinhas, os relógios marcavam exatamente 3:05 da madrugada quando o céu começou a se rasgar em luzes inexplicáveis. O silêncio comum da madrugada fora rompido por murmúrios assustados e o brilho inusual que se expandia da colina, alcançando horizontes que jamais haviam sido tocados por algo semelhante. As casas, já mergulhadas em um clima de incerteza por causa da pandemia que paralisava o mundo, se tornaram prisões de medo e curiosidade. Cortinas foram abertas com mãos trêmulas. Janelas escancaradas deixavam entrar um vento que não pertencia à Terra.
— É o apocalipse..., sussurrou uma senhora, escondendo-se atrás da porta entreaberta.
— São os sinais do fim dos tempos... isso é coisa dos governos! Gritou um homem de meia-idade no rádio local de Kestmere, cidade ao lado da vila de Ellenshade.
As rádios interromperam suas transmissões sobre medidas de lockdown e vacinação para relatar o inexplicável. Em poucos minutos, todas as estações da região estavam reproduzindo ligações de pessoas em pânico, tentando entender o que viam no céu. Ondas de luz dourada, azul e púrpura se entrelaçavam no firmamento como serpentes feitas de energia. Um locutor da Rádio Local de Kestmere, ofegante, tentava manter a compostura:
— Estamos... estamos vendo da torre de transmissão uma fenda se abrir no céu, senhores ouvintes. Isso não é aurora boreal. Isso não é tempestade elétrica. Isso... isso está sobre a colina de Ellenshade. O lugar onde dizem que uma mulher chamada Aurora foi enterrada por um homem que todos em Ellenshade o chamam de bruxo.
Imagens começaram a circular nos grupos de redes sociais. Moradores das vilas próximas gravavam vídeos em seus celulares: nuvens se afastando como se expulsas por uma força viva, animais se agitando nas fazendas, cães uivando, crianças chorando e velhos em pranto. “O céu está respirando”, dizia um jovem em um vídeo que viralizou antes de o sinal de internet cair em diversas regiões. As televisões, hesitantes, interromperam os boletins sobre a COVID-19 para exibir o céu de Ellenshade. Os apresentadores, ainda usando máscaras, mal conseguiam descrever o que viam.
— Parece... parece um coração batendo luz..., comentou, em lágrimas, uma âncora de um telejornal internacional.
Muitos diziam se tratar de um fenômeno atmosférico raro, talvez uma consequência magnética da baixa circulação de aeronaves causada pela pandemia. Outros falavam em invasão extraterrestre, em castigo divino ou numa fenda entre os mundos. Mas ninguém sabia com certeza. E todos sentiam que não era um evento natural.
Na ala de isolamento do hospital central de Kestmere, pacientes olhavam para o teto, como se percebessem uma presença diferente. Alguns sorriam. Outros choravam. A energia da colina parecia atravessar a matéria.
E no meio disso tudo, ninguém imaginava que aquele era o início do maior confronto entre ordens secretas já registrado na história da humanidade, e que cada respiração, cada tremor e cada luz eram o prenúncio dos Tempos mais longos da existência.
As três linhas da convergência pulsavam mais forte, girando sobre si mesmas como serpentes cósmicas. O túmulo de Aurora, no exato centro da colina, era o ponto de colisão. Acima dele, nuvens se afastavam por força de algo invisível. O tempo começou a se curvar. A cada segundo, o ar se tornava mais denso. Mais pesado. Mais... decisivo.
Dois homens estavam parados diante um do outro, separados por poucos metros e por séculos de história. De um lado, Lázaro, o Escorpião, olhos fixos no centro, corpo imóvel, energia contida em forma humana. Do outro, Capricórnio, relíquia pendendo da cintura, olhos famintos pela vitória, porém hesitantes. Ele recuou. Sabia que não era o momento para lutar. Tinha tempo ainda. Muito tempo ele pensou.
Vinte e Oito minutos para alcançar o ponto de convergência e colocar a relíquia no centro da colina. Se o fizesse antes que a espada da guardiã fosse fincada no solo, teria o domínio pleno da vida e da morte, da luz e da sombra, da ordem e do caos.
Capricórnio se moveu rapidamente para a lateral, e sua ordem seguiu o plano já traçado. Mas Lázaro sabia. Ele sabia tudo. Desde o momento em que Capricórnio havia encontrado os manuscritos escondidos por ele mesmo, séculos atrás, no sarcófago da antiga Abadia Dos Silvios, era inevitável, Capricórnio criara uma segunda relíquia, idêntica à original, mas com o poder corrompido pelo desejo. Só uma delas funcionaria plenamente no instante da junção.
’03:10”
Matilde, Katia e Jonas, membros da Ordem da Coruja, observaram o movimento de Capricórnio e se infiltraram silenciosamente pela vegetação úmida. Seguiam o plano com precisão. O alvo: Câncer. Mas Câncer não era cego.
“03:11”
Ele sentiu as vibrações dos passos antes que qualquer folha se partisse. Suas mãos se ergueram como marés invisíveis, e a energia de seus braços criou uma barreira líquida de defesa. Ainda assim, Jonas foi o primeiro a atacar, surgindo do alto de uma pedra com duas lâminas curtas. Câncer desviou, girou, e o lançou no chão com brutalidade. Kátia veio logo atrás, jogando uma sequência de punhais de sombra. Um deles cortou o ombro de Câncer, mas ele resistiu.
Matilde gritou. Jonas tentou levantar. Câncer rodopiou e cravou os dedos no peito dele. Um grito seco. A vida de Jonas se apagou ali, entre as árvores antigas. Kátia gritou de raiva e saltou sobre Câncer. Junto com Matilde, golpearam-no com precisão. Um nos olhos. Outro na base da coluna. Câncer caiu de joelhos, e então sucumbiu. Morrera em silêncio. Mas levara um com ele.
“03:12”
Andressa observava de seu ponto seguro, cercada por outros membros da Ordem, vestindo o manto da Coruja, a espada brilhando como se respirasse luz. Virgem, invisível aos olhos comuns, permanecia perto, protegendo-a com sua habilidade de fundir-se ao ambiente.
A missão era clara: colocar a espada no centro da convergência no instante exato. Se falhasse, o ciclo não seria quebrado, e Capricórnio venceria.
De repente, o chão estremeceu.
“03:13”
Touro avançava em disparada, como um animal mitológico. O ar tremeu. Escorpião o viu e se adiantou. Touro rugiu e desferiu um golpe com a força de um trovão. Escorpião girou, saiu da linha de impacto e golpeou de volta com o punho fechado, atingindo o estômago de Touro e o lançando metros adiante. A terra tremeu.
Mas então... Áries veio do alto. Um salto. Um giro no ar. Seus pés atingiram as costas de Escorpião, que caiu. O chão absorveu o impacto com um baque surdo. Mas Escorpião rolou, levantou-se num único impulso, e sua forma se alterou levemente, as sombras ao seu redor formaram o contorno de um escorpião. Ele estava pronto.
Os três duelaram por segundos que pareciam eternos. Nenhum deles caiu. Nenhum venceu. Ainda não.
“03:14”
A convergência rugia. Linhas de energia astral já tocavam o solo. Acima do túmulo de Aurora, o ar se abriu. Um clarão de cor púrpura. Uma espiral flamejante começou a se formar, e a terra abaixo vibrava como um coração prestes a parar.
Gêmeos apareceu na encosta leste. O irmão e a irmã, juntos. Aguardavam.
— É ela..., disse a irmã, apontando para Andressa.
— Está protegida..., murmurou o irmão.
— Mas ela precisa ter o poder despertado.
Eles aguardaram. Precisavam do momento exato.
“03:15”
No lado norte da colina, Matilde e Katia, ainda sob o choque da perda de Jonas, corriam na direção de Touro caído. Queriam garantir que ele não voltaria.
Mas Sagitário os viu. E sorriu.
Duas flechas. Uma prateada. Outra negra. Rápidas como meteoros. O destino as duas que atacaria Touro.
Mas então... um brilho dourado riscou o céu. Um feixe fino, preciso. Como um corte de tesoura na escuridão.
As duas flechas se partiram no ar.
— Sigam! Ataquem à distância! Ordenou Libra, surgindo como uma tempestade elegante. Seus cabelos dourados soltos, a balança marcada no peito da armadura.
Sagitário não hesitou. Atacou.
Libra girou no ar, aparou com o escudo curvo, devolveu com sua espada de equilíbrio, uma lâmina de dois gumes, uma para a justiça, outra para o sacrifício.
O embate foi feroz. Sagitário atirava. Libra desviava. A terra tremia sob seus pés. Cada golpe fazia a convergência vibrar em resposta.
“03:16”
O céu se abriu.
As três linhas da convergência tocaram o chão ao mesmo tempo.
Um pilar de luz se ergueu do túmulo de Aurora.
Andressa, a guardiã, correu.
Capricórnio também.
No centro da colina, duas silhuetas se aproximavam, luz contra sombra.
Do alto, a lua parecia parar no céu.
O destino, por fim, descia à Terra.
Continua...