Capítulo 27
A Fratura do Lado Sul
Quando os signos se dividem, a verdade desperta no caos
O vento soprou mais forte no lado sul da colina de Ellenshade.
Capricórnio chegou imponente, encoberto por seu manto escuro bordado com a figura de um bode montanhês emoldurado por estrelas. A relíquia recém-conquistada permanecia segura em seu cinturão de couro ancestral, envolta por uma faixa de prata escura com inscrições em latim perdido. Ao seu lado, os membros da Ordem Nocturnis caminhavam como sombras, Touro com seu corpo largo, de músculos tensos e olhos fixos como feras à espreita; Áries, de passos pesados, cada movimento estremecendo discretamente o solo sob seus pés; Câncer, o mais silencioso de todos, que olhava para o alto, tentando captar os sinais das vibrações astrais no ar. Sagitário ajustava seu arco já armado, o brilho das flechas pulsando em tom âmbar, como se vivessem e respirassem. Apenas Gêmeos ainda não estava ao lado dos demais.
Ao observar o topo da colina, Capricórnio franziu o cenho. Sua respiração se interrompeu por um instante, e seus olhos se estreitaram com algo entre receio e frustração.
— Escorpião..., murmurou. — Ele não está sozinho...
A ordem parou, em expectativa.
— A aura que sinto... é forte demais. Incompleta, mas potente. Não consigo identificar.
Áries avançou meio passo e disse em voz grave, como um trovão abafado:
— Com certeza é a guardiã da Coruja, Capricórnio.
Mas Capricórnio negou com um leve abanar de cabeça.
— Não. Ela tem o poder, mas ele ainda não foi despertado. Não por completo. Ela é uma centelha à beira do incêndio. Fiquem alerta. Há alguém mais entre eles...
As palavras de Capricórnio pairaram no ar como uma profecia encoberta. Eles se dividiram em formação tática, tomando seus postos pelo sul. Entre rochas, árvores e sombras naturais, cada sacerdote signo desapareceu em silêncio, tornando-se parte do ambiente.
Mas antes de deixarem a Casa do Morcego, algo silencioso havia acontecido, algo que Capricórnio ainda não sabia.
Na ala leste do casarão antigo, onde a lua iluminava vitrais cobertos por séculos de poeira e história, a mulher de Gêmeos permanecia parada diante de um espelho antigo. O reflexo revelava não apenas sua imagem, mas algo mais profundo: as rachaduras em sua fé.
Ela retirava o manto da Ordem Nocturnis, mas hesitou antes de vestir o uniforme cerimonial.
— Eu não posso mais seguir com isso, disse ela, em voz baixa, sentindo o coração apertar no peito. — Capricórnio perdeu-se no próprio desejo. Isso não é mais equilíbrio.
Seu irmão, deitado sobre uma poltrona de veludo envelhecido, ergueu os olhos, surpreso.
— O que faremos?
Ela se virou lentamente.
— A guardiã ainda não despertou. Seu poder, a essência da Coruja, é apenas uma brisa adormecida. Mas ela carrega a constelação de Leão no sangue. É a chave. Se a fizermos despertar...
— ...poderemos pôr fim ao plano de Capricórnio. Completou o irmão, com um sorriso tenso. — Mas como? Ela está cercada. Protegida. Ele pergunta.
A irmã caminhou até a janela, observando ao longe a colina onde tudo terminaria, ou recomeçaria.
— Não será fácil. Virgem está lá. Sinto sua presença. Disse, apertando os olhos como se filtrasse os astros pelo olhar.
— E Libra também, acrescentou o irmão, agora de pé. A balança está presente.
— Eles ainda acham que estamos ao lado de Capricórnio. Se tentarmos agir, seremos atacados.
— Então vamos direto ao centro, afirmou a mulher. — Quando a batalha começar, quando o caos reinar, será o único momento em que conseguiremos nos aproximar sem levantar suspeitas.
— E se falharmos?
Ela encarou o irmão nos olhos.
— Não podemos.
Na colina, a convergência alcançava níveis nunca antes registrados. Os céus não estavam apenas estrelados, estavam vivos. Três linhas de luz cortavam o firmamento, vindo de direções opostas, como serpentes cósmicas que se arrastavam sobre o mundo. No ponto exato acima do túmulo de Aurora, essas linhas dançavam e pulsavam como se estivessem prestes a se unir.
Era 3:00 da manhã. Faltavam apenas trinta e três minutos para a união total das linhas, o momento em que, segundo a profecia, o escolhido com a relíquia teria poder sobre os reinos da vida e da morte.
A energia astral gerava reações visíveis. As árvores tremiam como se fossem tocadas pelo vento de outro plano. O solo emanava calor e as pedras ao redor da colina vibravam como sinos abafados. O ar ganhava tons azulados, e cada sopro parecia vir de uma garganta ancestral.
Na vila de Ellenshade, o pânico tomava as casas como uma névoa densa. As pessoas, já fragilizadas pelos últimos meses da pandemia, observavam da segurança incerta de suas janelas um fenômeno que não compreendiam.
— Mãe, o céu tá... dançando! Gritou uma criança.
— Isso é o fim do mundo? Chorava uma senhora.
As cidades vizinhas, como Windenlock e Artonvale, também notaram o brilho incomum. Rádios começaram a noticiar estranhezas no céu, especialistas em meteorologia davam entrevistas sem convicção, e nas redes sociais, vídeos mostravam o ponto exato da convergência sobre Ellenshade. — É coisa da China! Diziam alguns, ecoando as teorias que associavam pandemias a armas invisíveis de guerra.
Mas ninguém, nem mesmo os mais preparados governos do mundo, sabiam que aquilo não era natural, era a repetição de um antigo ciclo que viera desde os dias em que a peste dizimara reinos inteiros e Capricórnio culpara Leão.
Às 3:05, uma fenda de luz se abriu no céu, como uma aurora boreal feita de sombras. E foi nesse instante que Capricórnio pisou firme no alto da colina, vindo do Sul, sua presença abrindo espaço entre as árvores, a relíquia presa em sua cintura brilhando com violência. Os outros sacerdotes vinham atrás, silenciosos, como predadores à espreita da caça final.
Ao vê-lo surgir, Lázaro, parado diante do túmulo de Aurora, sentiu o tempo parar por um segundo. Não havia mais dúvidas: era agora.
Capricórnio parou a poucos metros. Os olhos se cruzaram. O céu rugia.
Faltavam apenas vinte e oito minutos.
Continua...