Capítulo 25
O Limiar da Convergência
Quando os Astros se Inclinam e os Segredos Despertam
A colina onde Aurora repousava em silêncio há anos parecia respirar de maneira diferente naquela noite. O céu, enegrecido e inquieto, tremeluzia com filetes de luz dourada que dançavam como serpentes entre as nuvens. O tempo parecia recuar e avançar ao mesmo tempo, como se a própria realidade vacilasse ante a proximidade da Convergência. Lázaro, imóvel por um instante diante da lápide de Aurora, fechou os olhos e sentiu a emanação cósmica. Não havia mais dúvida. Estava começando.
— Posicionem-se, agora. Ordenou ele com voz firme, olhando para os membros da Ordem da Coruja.
Pelo lado norte da colina, sob a copa espessa das árvores de galhos tortuosos, Matilde, a dona da pousada onde Andressa ficou na primeira vez em Ellenshade. Kátia, a secretária que fora enviada pela ordem. Jonas Cerqueira, o editor da Luminária, o único a aceita a história que Andressa apenas disse que ia escrever. Alberto, o taxista que levou Andressa em sua volta para Ellenshade. E Horácio, (o mensageiro das sombras, que entregara o envelope a Kátia) escutavam atentos.
— Vocês têm o dom da invisibilidade noturna. Misturem-se nas sombras, usem o silêncio, as folhas, o vento. Ataquem e desapareçam. Sejam fantasmas. Mas ouçam com atenção:
Ele apontou para o leste da colina:
— Touro tem força descomunal. Não permitam que ele os alcances. Usem a velocidade. Evitem confrontos diretos.
— Câncer sente vibrações do chão ao céu. Seu domínio é a sensibilidade, ataques à distância, sempre. Não permitam que ele pressinta sua aproximação.
— Áries..., Lázaro suspirou. — Sua pisada é um trovão. Causa rachaduras no solo. Nunca o enfrentem de frente. Usem a dispersão.
— Sagitário..., sua voz tornou-se grave... ele é letal. Suas flechas drenam energia vital. Ele é rápido e certeiro. Se uma flecha os tocar, cairão sem forças. Não permitam que vejam vocês.
Lázaro hesitou ao mencionar os Gêmeos. Sentia um vazio. Não havia presença astral associada a eles. Apenas uma incerteza.
— E quanto aos Gêmeos...? — Horácio indagou.
— Não os sinto. E isso é o que mais me preocupa. Não sei onde estão, ou se estão. Se aparecerem, sejam prudentes. Eles são dois, mas sua força reside justamente nisso: em dois propósitos convergindo num único objetivo.
Andressa, até então silenciosa, permanecia no centro do círculo formado pelos membros. Seu vestido de Coruja irradiava leveza e poder, e seus olhos estavam fixos no céu que tremeluzia acima. Ela ainda não sabia a extensão de seu dom, mas seu corpo começava a responder aos sinais da terra e do céu.
Kátia, olhou para Lázaro e perguntou:
— Teremos alguma chance real contra cinco dos Sacerdotes Signos? Você é o único aqui com dons comparáveis aos deles.
A pergunta flutuou no ar como um desafio invisível. Todos a ouviram. Todos queriam uma resposta.
Lázaro, porém, permaneceu imóvel por alguns segundos. Seus olhos buscavam algo acima da lápide de Aurora. Foi então que ele sentiu. Uma energia densa, viva e silenciosa. Um brilho sutil serpenteando o ar. E então respondeu:
— Não estamos sós.
De repente, uma luz branca e difusa surgiu entre os galhos retorcidos. E dela, como que surgida da própria matéria da floresta, Virgem se revelou. Sua pele refletia o ambiente como um espelho natural. Era impossível vê-la quando ela não queria ser vista. Ela podia se fundir com qualquer material, madeira, pedra, folhas, até mesmo com o vento.
Vestia um traje translúcido que seguia os traços do signo de Virgem, tecidos longos, fluídos, adornados com folhas secas costuradas por fios dourados. Em sua mão direita, uma lança feita de cristal branco; em sua esquerda, um escudo redondo com o brasão de um ramo colhido sob o luar.
Lázaro se aproximou e a cumprimentou com um aperto de mãos silencioso, carregado de séculos de respeito e aliança.
Segundos depois, outro clarão brilhou acima do círculo. Libra surgiu com a serenidade de um julgamento divino. Uma mulher de olhar fixo e postura altiva, sua túnica pendia em dois panos que desciam em equilíbrio perfeito, uma preta, outra branca. Em suas mãos, a balança dos antigos juízos. À cintura, duas adagas curvas com cabos de jade.
Ela e Lázaro trocaram um leve aceno.
A energia no ar mudou. Todos sentiram. Não estavam mais sós. O silêncio foi tomado por um sopro de esperança. Os membros se posicionaram em seus lugares com mais firmeza. Era o presságio de que algo grandioso, e irreversível, estava prestes a ocorrer.
Virgem e Libra tomaram posição ao lado de Lázaro, ambos observando a lápide de Aurora como se pudessem ver o fluxo astral emanando dela. O chão sob seus pés vibrava levemente, e o céu já dava sinais da Convergência Astral. Linhas de luz pálida começaram a se formar acima do túmulo, girando lentamente como uma espiral dourada.
— Quando eu sinalizar, Virgem, você entra na batalha. Libra, você julgue o momento certo de agir, não antes. Disse Lázaro em tom baixo, mas firme, para Virgem e Libra. Ambos assentiram.
Acima da colina, as estrelas começaram a desaparecer uma a uma, como se fossem tragadas por uma força invisível. O céu, agora, parecia um véu de ébano com círculos incandescentes no centro. O ar se tornou mais denso. Folhas secas começaram a flutuar em torno da lápide. Um som surdo, quase um lamento, se fez ouvir do interior da terra. A Convergência havia começado.
Da terra ao céu, uma coluna de luz em tons âmbar rompeu o espaço acima do túmulo de Aurora. Era como se a própria essência da Ordem estivesse sendo sugada para um ponto focal de energia astral. Uma abertura. Um limiar entre mundos. As três borboletas de antes surgiram e pairaram sobre o círculo.
Os olhos de Andressa se fixaram na espiral.
— Está começando. Sussurrou Lázaro. — Ele virá.
E quando vier, todos saberão. A terra tremerá. O ar se tornará denso. E o tempo… o tempo deixará de ser um fio linear para se tornar um campo de guerra entre o destino e o livre-arbítrio.
Continua...