A luz do sol já iluminava todo o campo, espalhando uma claridade intensa sobre o terreno seco. As sombras das árvores esparsas eram curtas, quase inexistentes, e o calor começava a se anunciar, mesmo nas primeiras horas da manhã. João seguia ao lado do pai, carregando uma enxada nas costas. O chão sob seus pés era quente e áspero, marcado pelas rachaduras que contavam histórias de meses sem chuva.
“Hoje vamos começar na parte mais dura da terra”, disse o pai, com a voz firme, mas carregada de uma espécie de sabedoria tranquila. Ele carregava uma expressão séria, mas seus olhos tinham um brilho que denunciava o orgulho em ensinar ao filho o trabalho da roça. “É ali que as raízes têm mais dificuldade, João. Se a gente fizer o trabalho direito, a chuva vai entrar e a planta vai ter força pra crescer.”
João assentiu em silêncio, mas observava tudo com atenção. O pai tinha um jeito único de falar da terra, como se ela fosse viva, como se fosse parte da família. Cada palavra parecia carregar o peso de gerações que haviam aprendido a conviver com as durezas do sertão.
Chegando ao terreno escolhido, o pai fincou a enxada no chão e fez uma demonstração. “Olha aqui, filho. Não é só cavar. Você tem que sentir a terra. Se for muito fundo, desperdiça esforço. Se for muito raso, a planta não pega raiz.” Ele entregou a enxada a João e fez um gesto para que ele tentasse.
João segurou a enxada com as duas mãos, sentindo o peso do cabo de madeira desgastado e as marcas de anos de uso. Ele imitou os movimentos do pai, mas a primeira tentativa resultou em um corte desajeitado no chão seco. A terra levantou em torrões desiguais, e João franziu o cenho.
“Não tem problema errar, rapaz. O importante é aprender”, disse o pai, com um sorriso discreto. Ele se abaixou, pegou um punhado de terra solta e mostrou ao filho. “Tá vendo isso aqui? Parece morta, mas com uma boa chuva e o trabalho certo, ela vira vida. E é isso que a gente faz: dá à terra o que ela precisa.”
Enquanto trabalhavam lado a lado, o som das enxadas marcava o ritmo da manhã. Era quase como uma melodia, interrompida apenas pelo canto distante dos pássaros e pelo mugido ocasional dos bois que pastavam mais adiante. João sentia o suor escorrer pela testa e pelas costas, misturando-se com a poeira que parecia grudar em cada parte de seu corpo.
Depois de um tempo, João parou e olhou para o horizonte. “Pai, você acha que a chuva vem logo?” A dúvida em sua voz era quase palpável, refletindo a preocupação que começava a tomar forma em sua mente.
O pai também parou, apoiando-se na enxada, e olhou para o céu. O azul imenso era limpo, sem nenhuma nuvem à vista. Ele suspirou antes de responder. “Eu aprendi uma coisa nessa vida, João: a gente não manda na chuva. Mas a gente pode se preparar pra ela. E quando ela vem, se a gente tiver feito a nossa parte, a terra responde.”
João ficou em silêncio, digerindo as palavras do pai. Havia algo reconfortante naquela filosofia simples, mas também algo que o fazia perceber o quanto o sertão podia ser implacável. A seca era como uma sombra invisível que pairava sobre tudo, lembrando-os de que nada era garantido.
Depois de algumas horas de trabalho, os dois se sentaram à sombra de uma árvore pequena para descansar. A sombra era escassa, mas o suficiente para dar um alívio momentâneo. O pai tirou o chapéu e enxugou o suor com um lenço, enquanto João bebia água de uma cabaça.
“O que você achou do trabalho de hoje?” perguntou o pai, com um tom curioso.
“Cansativo”, admitiu João, entre um gole e outro. “Mas acho que estou aprendendo.”
O pai riu, uma risada breve e carregada de satisfação. “Se você tá aprendendo, então já valeu a pena.” Ele olhou para o filho com um misto de orgulho e expectativa. “Um dia, João, essa terra vai ser sua. E tudo que você tá aprendendo agora vai fazer diferença.”
João sentiu um peso diferente com aquelas palavras. Não era o peso da enxada ou do sol quente, mas o peso da responsabilidade. Ele olhou para o pai, depois para o campo que se estendia diante deles, e pela primeira vez começou a enxergar aquilo como algo além do trabalho. Era um legado, algo que ele precisava cuidar e valorizar.
Quando se levantaram para continuar, o sol já estava alto e o calor começava a castigar. Mas João sentiu que havia algo diferente em si mesmo. Não era apenas cansaço. Era uma espécie de determinação, como se, de alguma forma, o sertão tivesse começado a moldá-lo, assim como moldava a terra que ele agora ajudava a preparar.