Certa vez, em uma velha oficina esquecida atrás de um armário empoeirado, houve uma discussão entre duas ferramentas que já não viam utilidade em suas existências. A oficina não via movimento há anos, e seus instrumentos estavam cansados do abandono.
O Martelo, com cabo grosso e cabeça de ferro marcada pelo tempo, batia na mesa com fúria:
— Se um dia essa porta velha quiser se abrir, será por mim! Só eu tenho força pra romper trancas e quebrar resistências!
A Chave, miúda, enferrujada nas bordas, balançava levemente em seu gancho e respondeu, sem levantar a voz:
— Nem tudo se abre com força. Às vezes, o segredo está no jeito.
O Martelo bufou.
— "Jeito"? Você é pequena, fraca e torta! Eu já vi portas voarem com um só golpe meu!
— E quantas se partiram para sempre? — retrucou a Chave, com calma.
Naquela noite, o dono da oficina voltou. Velho, cansado, trazia nas mãos uma carta lacrada e os olhos úmidos de lembrança. Aproximou-se da porta dos fundos, trancada há décadas, onde guardava um baú com algo que um dia quis esquecer. Tentou forçar a maçaneta, mas o tempo endurecera o mecanismo.
Olhou ao redor. Os olhos foram direto ao Martelo. Pegou-o. Deu dois golpes na tranca. A madeira gemeu, a tranca resistiu, e as dobradiças gritaram de dor.
Suspirando, largou o Martelo no chão.
Seu olhar caiu sobre a Chave, quase invisível pendurada no gancho antigo. Como um último gesto de esperança, encaixou-a na fechadura. Rodou com cuidado, com leveza... clique. A tranca cedeu. A porta se abriu como se estivesse esperando apenas aquele toque.
O velho sorriu, com lágrimas contidas.
Antes de sair, murmurou para si:
— Nem tudo se conquista na marra. Às vezes, é preciso apenas saber como entrar.
Desde então, o Martelo silenciou. E a Chave? Nunca mais foi esquecida.
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"A força pode abrir portas com impacto, mas é o jeito certo que realmente encontra a chave."