"Não Há Poesia na Censura"
por A. Sales
Houve um tempo em que o som era medo,
e o pensamento, um sussurro trancado.
Onde versos andavam descalços,
pisando em campos minados.
Era preciso esconder o poema,
dobrá-lo em quatro,
colocar no bolso,
e torcer para o destino não revistá-lo.
Belchior cantava com a alma entre os dentes,
Elis chorava canções que sangravam,
e a juventude — essa flor ainda em broto —
era podada antes de florir em rebeldia.
E agora, tantos anos depois,
vemos saudade do que doeu.
Gente pedindo correntes invisíveis,
como se fossem braceletes de ouro fiel.
Mas não há poesia na censura,
não há beleza no silêncio imposto,
não há ordem onde falta justiça,
e não há glória no esquecimento tolo.
Romantizam o escuro,
porque nunca viveram sem luz.
Pedem farda para calar o caos,
quando o caos mora onde a verdade reluz.
Então escrevo.
Com a memória entre as mãos,
e a alma, inquieta de tanto lembrar.
Que a liberdade não vire lembrança,
que a história não precise se repetir
pra ser compreendida.
E que a voz de quem ainda sonha
com um país livre,
continue mais alta que o medo.
— A. Sales