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Quando a Vida Não Espera

A dor que não coube no choro, e a esperança que se partiu em silêncio

 

  Pai, eu te vi lutar.

 Te vi preso a fios e silêncios, com o corpo cansado e a alma ainda firme. Te vi todos os dias, mesmo quando os teus olhos pareciam longe, ainda procurando forças em algum lugar que eu não conseguia alcançar. E eu esperei contigo. Esperança era a única coisa que nos restava — ela vinha com o sol, e partia com o som frio das máquinas.

 

 A cada manhã, eu entrava naquele quarto como se fosse o primeiro dia de uma batalha que eu nunca pedi pra viver. Te segurava a mão, mesmo quando tua mão já não segurava a minha. E eu sorria. Sorria pra esconder a lágrima, pra que tua luta não visse a minha fraqueza. Porque eu te conhecia, pai. Sabia que tua dor era maior não por causa do corpo, mas por sentir que não podia mais cuidar de nós como sempre fez.

 

 Mas tu cuidavas. Com tua presença. Com teu silêncio cheio de força. Com cada gesto mesmo frágil, que dizia: “estou aqui por vocês”. Eu entendi. Sempre entendi. Mas saber não ameniza.

 

 Naquele último dia, o tempo não avisou.

 O relógio não parou, nem as máquinas fizeram barulho diferente. Tudo era igual, mas tudo era o fim. Te vi partir, sem alarde, sem drama. Só... partiu. E eu fiquei ali. Parado. Mudo. Com um peso no peito que não desceu pelos olhos. Não chorei. Não consegui. Talvez ainda não consiga. Porque tua ausência é tão presente, pai, que me faltam espaços dentro de mim pra desabar.

 

 A dor do desamor não é a de quem deixou de amar, é a de quem amou tanto que ficou com tudo dentro — sem ter pra onde despejar. Meu choro não sai porque você ainda está aqui em mim. Na tua ausência, há tua marca. E às vezes, chorar parece te deixar mais longe.

 

 Escrevo isso porque talvez esse seja o meu modo de gritar. Porque quando perdi tua voz, perdi a metade da minha também. E mesmo que a vida continue, ela carrega um buraco. Uma fresta aberta onde cabia teu riso, teu conselho, tua força.

 

 Pai, a esperança que não veio morreu contigo. Mas o amor, esse ficou. Vivo. Dolorido. Firme.

 E talvez um dia eu chore. Quando tua ausência deixar de ser dor e virar só saudade.

Por enquanto, eu escrevo. Porque é tudo que me resta fazer.

 

 — Do teu filho, que te viu partir, mas não te deixou ir.

A Sales
Enviado por A Sales em 05/04/2025
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