A madrugada cedia o palco para o amanhecer quando meus olhos contemplaram a serenidade ao meu redor. Eram quatro e meia da manhã, e uma chuva fina e persistente dançava suavemente sobre o telhado de palha. Cada pingo, ao tocar o chão, parecia desaparecer em um último suspiro, enquanto outros se rendiam graciosamente às flores dispostas em vasos de barro, estrategicamente posicionados para receber essas bênçãos do céu.
De onde eu estava, podia avistar claramente a entrada da pequena fazenda. A porteira de madeira rangeu levemente ao ser empurrada, deixando passar o trator que carregava uma pilha generosa de feno. O motor do trator vibrava em um ritmo constante, ecoando pela propriedade, mas sem quebrar a harmonia do cenário. Mais à direita, um lago pequeno refletia a penumbra do amanhecer, suas águas encrespadas pela fina chuva. Ali, alguns patos deslizavam corajosamente pela superfície, as penas perladas por minúsculas gotas.
No meio do cenário bucólico, ele se destacava como o verdadeiro vislumbre da fazenda: um cisne branco, imponente e sereno. Sua plumagem reluzente contrastava vividamente com os primeiros tons alaranjados do arrebol que despontavam no horizonte. A elegância de seus movimentos era quase hipnótica, como se ele fosse o maestro silencioso de uma orquestra natural.
Os sons da vida despertando compunham uma sinfonia única. Pássaros trinavam suas melodias em galhos molhados, enquanto os bois mugiam preguiçosamente no curral. Mais adiante, bodes começavam a correr em pequenos saltos pela grama molhada, suas patas levantando borrifos de água. O cocoricó das galinhas se misturava ao pio delicado de seus pintinhos, criando uma cacofonia de sons familiares e confortantes. Os cachorros latiam aqui e ali, talvez em saudação ao novo dia, ou simplesmente para marcar sua presença no ambiente vibrante.
Dentro da cozinha da casa, um universo à parte se revelava. As paredes de tijolos aparentes e o piso de madeira rangente exalavam rusticidade. Sobre o fogão a lenha, uma chaleira chiava, liberando um aroma inconfundível de café fresco que invadia cada canto do ambiente. Ao lado, uma mesa simples de madeira estava coberta com uma toalha de crochê, adornada por potes de barro contendo mel, manteiga e um pequeno arranjo de flores colhidas do jardim. Uma panela de ferro desprendia o cheiro adocicado de mingau, enquanto uma cesta de pães frescos descansava pacientemente ao lado de um pote de leite.
Lá fora, uma mangueira robusta e cheia de história abrigava dois cantores matutinos: uma cigarra, com seu canto insistente e ritmado, e um sabiá, que respondia com notas melodiosas e encantadoras. A sintonia entre os dois preenchia o ar, criando uma trilha sonora que apenas o campo poderia oferecer.
Enquanto me deleitava com o cenário, senti um toque suave nas pernas. Era ele, meu fiel companheiro felino, um gato cinzento de olhos curiosos e bigodes inquietos. Seu miado delicado era um convite à cumplicidade. Com um movimento ágil, ele se aninhou ao meu lado enquanto eu segurava uma xícara de café ainda fumegante. O calor da bebida contrastava com o frescor do ar da manhã, criando um equilíbrio perfeito entre conforto e vitalidade.
Olhei novamente para o horizonte, onde o sol, timidamente, começava a emergir. Os raios dourados banhavam a paisagem, iluminando cada detalhe com uma luz suave e reconfortante. A vegetação ainda carregava gotas de chuva, que brilhavam como pequenos diamantes sob a luz nascente. A fumaça que saía da chaminé da casa dançava ao vento, como se quisesse se misturar às nuvens que ainda pairavam baixas.
As crianças da fazenda, despertadas pelos sons e aromas da manhã, começavam a aparecer, com cabelos desgrenhados e sorrisos preguiçosos. Suas botas de borracha ressoavam pelo terreiro enquanto corriam para o curral, ansiosas para ajudar com as tarefas diárias ou apenas para brincar com os filhotes de cabrito que saltitavam sem rumo.
Ao longe, o vento carregava o perfume da terra molhada, misturado ao aroma dos eucaliptos que cercavam a propriedade. Era um cheiro único, que trazia memórias de outros amanheceres e prometia a continuidade de dias simples, mas repletos de significado.
Cada detalhe do campo parecia celebrar a chegada do dia. As sombras desapareciam lentamente, e a vida ganhava cor e movimento. O cisne ainda deslizava pelo lago, indiferente à agitação ao seu redor, como um lembrete de que a beleza pode ser encontrada na tranquilidade.
Com o café quase no fim, permiti-me um último momento de contemplação. Meu gato agora dormia enroscado aos meus pés, e a xícara vazia em minhas mãos era um símbolo de satisfação. O nascer de mais um dia no campo era mais do que uma rotina; era um presente, uma oportunidade de testemunhar a natureza em sua plenitude e de encontrar paz nas pequenas coisas.
E assim, com a alma renovada e o coração leve, levantei-me para abraçar as tarefas que o dia traria. O campo, com seu ritmo próprio e encanto inigualável, continuaria a me ensinar que a felicidade está nos detalhes e que cada manhã é uma nova chance de recomeçar.
bom dia...