Quando as feridas do passado encontram o dever do presente, escolhas moldam destinos.
A casa de Ana e André estava cheia de vida. Carla, a primogênita, brincava com a pequena Shofie na sala de estar, enquanto André, com um tom sério, inclinava-se para Carlos, que estava visivelmente abalado.
— "Carla, cuide da sua irmã. Preciso sair," disse André, a voz firme, mas cheia de carinho.
Ana, ao lado de Carlos, olhou para o amigo com preocupação. — "Carlos, não pode dirigir nesse estado emocional. Vamos com você. André, pegue as chaves."
Carlos tentou argumentar, mas desistiu. Sabia que não conseguiria manter o foco sozinho. Eles saíram da casa e entraram no carro de André.
O caminho até o hospital
As ruas de Fortaleza estavam agitadas. A cidade, conhecida por sua mistura de prédios históricos e modernas avenidas, parecia um labirinto de sinais fechados e cruzamentos lotados. O carro passou pelo Largo das Palmeiras, um dos pontos mais icônicos da cidade, e seguiu em direção ao Hospital São Vicente, a principal referência em casos graves.
Carlos estava em silêncio no banco de trás, as mãos fechadas sobre os joelhos. A tensão em seu rosto era evidente, e Ana tentava quebrar o clima pesado.
— "Ela está viva, Carlos. Isso já é algo."
Mas ele não respondeu. Sua mente estava presa entre o passado e o presente, entre o jovem que sofreu humilhações e o médico que agora tinha a vida dela em suas mãos. Finalmente, chegaram ao hospital. O enfermeiro-chefe, Rodrigo, os esperava na entrada, com um semblante sério, mas profissional.
— "Doutor Carlos, obrigado por vir tão rápido."
Rodrigo os conduziu para uma sala reservada. Lá, ele explicou: — "Joseane chegou após um acidente grave de trânsito. Sofreu múltiplas fraturas no braço esquerdo e nas costelas, além de uma forte contusão na cabeça que a deixou inconsciente. Quando chegou, estava em estado de choque. Ela gritou por você antes de desmaiar."
Carlos sentiu um nó na garganta, mas manteve-se firme. Rodrigo continuou:
— "Ela está inconsciente, mas estável. Fizemos uma bateria de exames, incluindo tomografia, ressonância magnética, raio-x das fraturas e testes de função cerebral. Além disso, notamos algo incomum…"
Rodrigo hesitou por um momento antes de completar: — "Vou mostrar os resultados no escritório."
Eles caminharam até uma pequena sala. No caminho, passaram pela UTI. Rodrigo parou diante de uma porta com uma janelinha de vidro que dava visão para os leitos. Ele apontou para um deles.
— "Ali está ela."
Carlos se aproximou lentamente, olhando através do vidro. Joseane estava deitada, envolta em fios e tubos, o rosto pálido, quase irreconhecível. Ele ficou imóvel, encarando-a por alguns instantes, enquanto memórias daquele dia na lanchonete invadiam sua mente.
Ana se aproximou, colocando uma mão no ombro dele. — "Carlos… ela parece tão…"
Antes que pudesse terminar, André a interrompeu. — "Ana, agora não é hora para isso. Não sabemos o que ela passou para acabar assim."
Carlos não disse nada. Por dentro, ele lutava entre o instinto de ajudar e as lembranças de um passado que ainda o feriam. — "Por que eu devo entrar?" pensou ele.
Seus pensamentos foram interrompidos pela voz de uma jovem enfermeira.
— "Doutor, me acompanhe. O senhor precisa ver os resultados dos exames."
A enfermeira Sara o conduziu até uma mesa onde estavam dispostos os relatórios: tomografias, raio-x, exames de sangue, entre outros. Ela apontou para os detalhes de cada um, explicando a situação.
— "Aqui está a tomografia, que mostra uma contusão cerebral moderada. Este é o raio-x das fraturas. Fizemos também um hemograma completo e exames metabólicos para monitorar sinais de infecção ou desequilíbrio. Mas doutor, há mais uma coisa."
Sara pegou um envelope. — "Este é o teste de gravidez."
Carlos arregalou os olhos, paralisado. Ele olhou para o resultado, as palavras "POSITIVO" destacadas no papel.
— "Grávida? Como isso é possível?" murmurou ele, incrédulo.
Ele sabia de um detalhe íntimo sobre Joseane que poucas pessoas conheciam: ela havia confidenciado uma vez, em um raro momento de vulnerabilidade, que tinha uma condição médica que a impossibilitava de engravidar devido a aderências causadas por endometriose severa.
Ana e André olharam para ele, confusos. — "Carlos, o que foi?" perguntou André.
— "Ela… não podia ter filhos," respondeu Carlos, a voz tremendo. — "Ela me disse isso muitos anos atrás."
O peso dessa nova informação era esmagador. Ele olhou para o exame, depois para o vidro que separava a UTI da sala de observação. Joseane estava ali, lutando pela vida, e agora carregava um segredo que parecia desafiar até mesmo a ciência.
Ana tocou seu braço novamente. — "Carlos, seja qual for a verdade, você é a única pessoa que ela pediu para ver. Talvez seja hora de descobrir o porquê."
Ele assentiu lentamente, mas sua mente ainda estava em caos. A batalha interna continuava: o homem ferido pelo passado e o médico comprometido com o presente. A porta da sala se fechou atrás deles, mas para Carlos, outra porta havia acabado de se abrir – uma porta para respostas que ele nunca pensou que precisaria buscar.
Continua...