Corvo do Silêncio
"Onde o mundo grita, o Corvo do Silêncio escreve, e no som das palavras, a alma desperta."
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Textos

Entre Bois e Cafés

(Capítulo 1)

 

  O coronel Anselmo Monteiro, conhecido em toda a região como o "Rei do Gado", estava recostado em sua imponente cadeira espreguiçadeira de madeira maciça e couro trançado, que ocupava o centro da varanda de sua casa-grande. A construção, com suas paredes de taipa e janelas de madeira pintadas de verde, era um símbolo da prosperidade conquistada por gerações de pecuaristas. Ao seu redor, a luz dourada do entardecer filtrava-se pelas árvores de copa larga, lançando sombras longas e tranquilas sobre o chão de terra batida.

 

  De sua posição privilegiada, Anselmo observava os campos vastos e secos que se estendiam até o horizonte, pontilhados por grupos de bois que ainda resistiam ao calor do dia. Seus jagunços e peões, homens rústicos de pele curtida pelo sol, trabalhavam diligentemente para conduzir os últimos animais ao curral. O estalar dos chicotes e os gritos ritmados de comando ecoavam pelo vale, acompanhados pelo mugir dos animais e pelo rangido das cercas de madeira.

 

  Na mão do coronel, uma xícara de porcelana inglesa finamente decorada estava cheia de café recém-coado, o aroma forte e amargo misturando-se ao ar pesado da tarde. Ele tomou um gole lento, permitindo que o sabor preenchesse sua boca, antes de apoiar a xícara sobre um pequeno pires colocado numa mesa de jacarandá ao seu lado. Seus olhos, cheios de orgulho e complacência, voltaram-se novamente para a paisagem.

 

  “Isso nunca será o futuro do Brasil”, murmurou, com um tom de desdém. A bebida, para ele, não passava de uma moda passageira, algo que jamais rivalizaria com o legado dos campos de gado. Cada animal naquele pasto representava não apenas riqueza, mas poder, história e tradição. Ele sabia que, ali, estavam as raízes do país e da sua fortuna.

 

  Atrás dele, a luz de um lampião começava a ser acesa por uma criada vestida com roupas simples de algodão cru. A noite chegava devagar, trazendo consigo o canto dos grilos e o distante som do sino da capela ao lado do casarão, marcando a Ave-Maria. Mesmo assim, Anselmo permaneceu imóvel, como se estivesse desafiando o tempo. Para ele, nada mudaria. Sua fazenda, seu gado e seu nome continuariam reinando enquanto houvesse terra para pastar.

 

  O ranger suave das tábuas do assoalho ecoou pela varanda quando Zefina, uma das criadas da casa, aproximou-se timidamente. Vestida com um simples vestido de algodão desbotado, suas mãos calejadas seguravam a barra do avental, enquanto seus olhos permaneciam baixos, evitando encarar diretamente o coronel Anselmo. Ela trazia no rosto os traços marcantes de sua origem, uma mistura de resistência e submissão moldada pelos anos de servidão.

 

  — Coronel, a senhora mandou avisar que o jantar já está servido — disse Zefina com a voz baixa, quase um sussurro, mas ainda carregada de respeito.

 

  Sem desviar os olhos do horizonte, onde o sol agora mergulhava atrás das colinas, tingindo o céu com tons de laranja e púrpura, Anselmo respondeu:

 

  — Tudo bem, Zefina. Diga à sua senhora que já estou indo.

 

  Sua voz, grave e preguiçosa, soou como um comando mais do que uma resposta. Ele sequer ergueu o olhar para a criada, que fez uma ligeira reverência antes de se afastar em silêncio, os pés descalços pisando suavemente no chão de madeira.

 

  Enquanto Zefina desaparecia pela porta lateral, o coronel permaneceu imóvel, absorvido pela visão que tanto o confortava. O campo à sua frente parecia uma pintura viva, onde os últimos raios de sol refletiam nos cascos dos bois e nos riachos que serpenteavam preguiçosamente entre as pastagens. A quietude do entardecer, quebrada apenas pelo distante mugir do gado e pelo coaxar dos sapos, era um lembrete do domínio que ele exercia sobre aquela terra e tudo o que nela vivia.

 

  Ainda assim, por um instante breve, algo parecia diferente. Talvez fosse o modo como as sombras se alongavam mais rápido do que de costume, ou o sutil perfume de café que chegava com o vento. Mas Anselmo afastou esses pensamentos com um leve sacudir da cabeça. Para ele, o mundo estava exatamente onde deveria estar: sob seu controle.

 

  Ergueu-se então de sua cadeira espreguiçadeira, ajustando o chapéu de couro que repousava no braço do móvel, e caminhou em direção à casa-grande, onde o aroma de carne de sol e feijão tropeiro anunciava o banquete preparado por sua esposa. Cada passo era lento, quase calculado, como se ele quisesse prolongar aquele momento de contemplação, de um tempo que ele acreditava nunca mudar.

 

Continua...

 

Corvo do Silêncio
Enviado por Corvo do Silêncio em 11/12/2024
Alterado em 11/12/2024
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