O coronel Anselmo Monteiro, conhecido em toda a região como o "Rei do Gado", estava recostado em sua imponente cadeira espreguiçadeira de madeira maciça e couro trançado, que ocupava o centro da varanda de sua casa-grande. A construção, com suas paredes de taipa e janelas de madeira pintadas de verde, era um símbolo da prosperidade conquistada por gerações de pecuaristas. Ao seu redor, a luz dourada do entardecer filtrava-se pelas árvores de copa larga, lançando sombras longas e tranquilas sobre o chão de terra batida.
De sua posição privilegiada, Anselmo observava os campos vastos e secos que se estendiam até o horizonte, pontilhados por grupos de bois que ainda resistiam ao calor do dia. Seus jagunços e peões, homens rústicos de pele curtida pelo sol, trabalhavam diligentemente para conduzir os últimos animais ao curral. O estalar dos chicotes e os gritos ritmados de comando ecoavam pelo vale, acompanhados pelo mugir dos animais e pelo rangido das cercas de madeira.
Na mão do coronel, uma xícara de porcelana inglesa finamente decorada estava cheia de café recém-coado, o aroma forte e amargo misturando-se ao ar pesado da tarde. Ele tomou um gole lento, permitindo que o sabor preenchesse sua boca, antes de apoiar a xícara sobre um pequeno pires colocado numa mesa de jacarandá ao seu lado. Seus olhos, cheios de orgulho e complacência, voltaram-se novamente para a paisagem.
“Isso nunca será o futuro do Brasil”, murmurou, com um tom de desdém. A bebida, para ele, não passava de uma moda passageira, algo que jamais rivalizaria com o legado dos campos de gado. Cada animal naquele pasto representava não apenas riqueza, mas poder, história e tradição. Ele sabia que, ali, estavam as raízes do país e da sua fortuna.
Atrás dele, a luz de um lampião começava a ser acesa por uma criada vestida com roupas simples de algodão cru. A noite chegava devagar, trazendo consigo o canto dos grilos e o distante som do sino da capela ao lado do casarão, marcando a Ave-Maria. Mesmo assim, Anselmo permaneceu imóvel, como se estivesse desafiando o tempo. Para ele, nada mudaria. Sua fazenda, seu gado e seu nome continuariam reinando enquanto houvesse terra para pastar.
O ranger suave das tábuas do assoalho ecoou pela varanda quando Zefina, uma das criadas da casa, aproximou-se timidamente. Vestida com um simples vestido de algodão desbotado, suas mãos calejadas seguravam a barra do avental, enquanto seus olhos permaneciam baixos, evitando encarar diretamente o coronel Anselmo. Ela trazia no rosto os traços marcantes de sua origem, uma mistura de resistência e submissão moldada pelos anos de servidão.
— Coronel, a senhora mandou avisar que o jantar já está servido — disse Zefina com a voz baixa, quase um sussurro, mas ainda carregada de respeito.
Sem desviar os olhos do horizonte, onde o sol agora mergulhava atrás das colinas, tingindo o céu com tons de laranja e púrpura, Anselmo respondeu:
— Tudo bem, Zefina. Diga à sua senhora que já estou indo.
Sua voz, grave e preguiçosa, soou como um comando mais do que uma resposta. Ele sequer ergueu o olhar para a criada, que fez uma ligeira reverência antes de se afastar em silêncio, os pés descalços pisando suavemente no chão de madeira.
Enquanto Zefina desaparecia pela porta lateral, o coronel permaneceu imóvel, absorvido pela visão que tanto o confortava. O campo à sua frente parecia uma pintura viva, onde os últimos raios de sol refletiam nos cascos dos bois e nos riachos que serpenteavam preguiçosamente entre as pastagens. A quietude do entardecer, quebrada apenas pelo distante mugir do gado e pelo coaxar dos sapos, era um lembrete do domínio que ele exercia sobre aquela terra e tudo o que nela vivia.
Ainda assim, por um instante breve, algo parecia diferente. Talvez fosse o modo como as sombras se alongavam mais rápido do que de costume, ou o sutil perfume de café que chegava com o vento. Mas Anselmo afastou esses pensamentos com um leve sacudir da cabeça. Para ele, o mundo estava exatamente onde deveria estar: sob seu controle.
Ergueu-se então de sua cadeira espreguiçadeira, ajustando o chapéu de couro que repousava no braço do móvel, e caminhou em direção à casa-grande, onde o aroma de carne de sol e feijão tropeiro anunciava o banquete preparado por sua esposa. Cada passo era lento, quase calculado, como se ele quisesse prolongar aquele momento de contemplação, de um tempo que ele acreditava nunca mudar.
Continua...