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Os Bolinhas do Bloco E

 

Foto tirada pela celular as3:57 da manhã do dia 27

________________________ Este Conto foi escrito nas madrugadas frias do hospital baseado nas conversas de duas primas, Sara e Beldo quarto a frente.

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Era nas madrugadas do hospital, quando o silêncio se tornava tão denso que parecia ter peso, que as histórias de Sara e Bel ganhavam vida. Duas primas, diferentes em quase tudo, mas unidas por um imaginário que desafiava o tédio e a dor do cotidiano hospitalar. Entre corredores frios e monitores piscando, elas encontraram no mistério uma forma de tornar a realidade mais suportável – e, para quem as ouvia, muito mais inquietante.

 

Sara, sempre expansiva e cheia de detalhes, começava a contar sobre Bolinha. Não era um brinquedo nem uma metáfora. Era um menino – ou, pelo menos, era assim que ela o descrevia. Pequeno, de feições borradas como um reflexo malformado no vidro, Bolinha aparecia no bloco E. "Ele sobe e desce no elevador como se estivesse perdido", dizia Sara. “É como se procurasse alguém, mas nunca soubesse em qual andar deve parar.” A descrição era tão precisa que era difícil duvidar. Sara jurava ter ouvido o som do elevador em horários impossíveis, quando não havia ninguém mais ali. O vai e vem da cabine, o piscar hesitante das luzes do corredor – tudo apontava para a presença de Bolinha, insistente e solitário.

 

Bel, com seu jeito mais calado, raramente interrompia. Mas, quando falava, sua narrativa era tão cativante quanto a da prima. Para ela, o mistério ia além dos corredores do bloco E. "Na UTI", contava com voz baixa, "há uma mulher chamada Rosa Bolinha." Rosa era um nome que Bel mencionava como se fosse um segredo conhecido por poucos. Segundo ela, Rosa era uma sombra constante na unidade, assustando médicos e acompanhantes. Não aparecia de forma concreta, mas fazia-se sentir: um monitor que desligava sozinho, passos leves no corredor quando ninguém deveria estar ali, e um frio inexplicável que tomava conta do ambiente.

 

O mais curioso, no entanto, era o elo que Sara e Bel acreditavam existir entre os dois. Bolinha, o menino perdido do elevador, e Rosa Bolinha, a presença inquietante da UTI. "Ele é o filho que ela perdeu no parto", afirmavam em uníssono, como se tivessem chegado à mesma conclusão a partir de evidências incontestáveis. Rosa teria morrido logo após o parto, deixando para trás um menino que, sem entender a separação, vagava pelo hospital à procura da mãe. A ironia cruel era que ele sempre errava o caminho.

 

Para Sara e Bel, essa tragédia não era apenas uma história triste – era quase um roteiro de vida. "Ele só quer encontrar a mãe", dizia Sara com olhos brilhantes, como quem torce por um final feliz que talvez nunca chegue. Bel, mais prática, complementava: "E ela? Deve estar tentando proteger ele, mesmo que não consiga se mostrar completamente."

 

As duas primas falavam sobre os Bolinhas com tamanha convicção que suas histórias, de algum modo, se tornavam reais. Quem ouvia, mesmo os mais céticos, acabava olhando com desconfiança para o elevador do bloco E ou para o corredor silencioso da UTI. Não que acreditassem, mas também não ousavam duvidar completamente.

 

Numa dessas noites frias, quando Sara e Bel recontavam suas histórias, o elevador fez um ruído estranho. As luzes do corredor piscaram. Bel, sem se levantar, sussurrou: "É ele." Sara, por sua vez, sorriu, como quem recebe a confirmação de um amigo invisível. No instante seguinte, o som se dissipou, e o hospital voltou ao silêncio.

 

Talvez Bolinha tivesse subido. Ou descido. Talvez Rosa estivesse em algum lugar, esperando por ele. Talvez tudo fosse apenas fruto da imaginação fértil de duas jovens que encontravam na fantasia um alívio para o cotidiano pesado.

 

Mas, se você estivesse no hospital naquela noite, será que teria coragem de andar sozinho pelo corredor do bloco E?

 

Não olhe agora. Ele está atraso de você...

 

A Sales
Enviado por A Sales em 27/11/2024
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