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Clara.
Quando o Riso Se Transforma em Silêncio
O peso de uma brincadeira mal interpretada
O sol da tarde entrava pelas enormes janelas do café da esquina, espalhando manchas douradas sobre o chão de madeira. Clara escolheu uma mesa no canto, perto de uma estante de livros, onde a luz era mais suave. Ela usava uma blusa bege simples, com o cabelo preso de forma apressada. Mexia em sua xícara de chá, claramente nervosa, enquanto olhava para a entrada.
Miguel chegou alguns minutos depois, trazendo o mesmo sorriso despreocupado de sempre. Usava uma camisa xadrez e jeans gastos, como se tivesse vindo direto de um passeio casual. Ele avistou Clara e caminhou até ela, mas seu sorriso diminuiu ao notar a seriedade em sua expressão.
— Ei, Clara. Tudo bem? — ele perguntou, sentando-se de frente para ela.
Clara olhou para ele, sua mão ainda segurando a xícara. — Obrigada por vir, Miguel. Precisamos conversar.
Ele inclinou-se na cadeira, curioso. — Claro. O que foi? Você está com uma cara estranha.
Ela respirou fundo, tentando encontrar as palavras certas. — É sobre... nós. Sobre como as coisas têm sido ultimamente.
Miguel franziu o cenho, confuso. — O que quer dizer? Achei que estávamos bem.
Clara colocou a xícara na mesa, finalmente olhando diretamente para ele. — Não, Miguel. Não estamos. E acho que você sabe disso.
Ele recostou-se na cadeira, cruzando os braços. — Não sei. Então, por favor, me diga.
Ela hesitou por um momento antes de continuar. — É sobre como você sempre usa o humor para lidar com tudo. Especialmente comigo.
Miguel riu baixinho, incrédulo. — Isso de novo? Clara, eu já disse que é só o meu jeito. Eu brinco com todo mundo, não só com você.
— Mas não é só isso, Miguel. — Ela inclinou-se para frente, o tom mais firme. — Você transforma minhas inseguranças em piadas. Na festa da semana passada, você fez todo mundo rir às minhas custas.
Ele ficou em silêncio por um momento, parecendo desconfortável. — Eu nem me lembro o que disse.
— Exatamente. — Clara balançou a cabeça, decepcionada. — Você não se lembra porque não percebe o impacto que tem.
Miguel bufou, irritado. — Ok, então. Qual foi a grande piada que eu fiz?
— Disse que eu sou “uma perfeccionista insuportável que não sabe relaxar”. E todo mundo riu, Miguel. Inclusive você.
Ele coçou a cabeça, parecendo sem graça. — Foi só uma brincadeira, Clara. Não achei que fosse tão grave.
Ela o encarou, com os olhos cheios de mágoa. — Porque você nunca pensa antes de falar. E eu estou cansada de me sentir assim, como se minha personalidade fosse uma piada para você.
— Isso é exagero. — Miguel gesticulou, tentando se justificar. — Você sabe que eu te admiro, que eu te respeito.
— Então por que nunca parece assim? — Clara rebateu, sua voz ganhando força.
O silêncio caiu entre eles, pesado e desconfortável. O café ao redor seguia com sua rotina, mas para Clara e Miguel, o mundo parecia ter parado.
— O que você quer que eu faça? — Miguel perguntou, finalmente, sua voz baixa.
— Eu quero que você entenda que certas coisas não são engraçadas. Que palavras têm peso, mesmo quando ditas como piada. — Clara fez uma pausa, respirando fundo. — Mas acho que não posso te ensinar isso.
Miguel piscou, surpreso. — Você está terminando nossa amizade por causa de algumas piadas?
— Não é só por isso. — Clara levantou-se, pegando sua bolsa. — É porque eu percebi que estar ao seu lado me faz sentir menor. E isso não é algo que eu quero mais.
Miguel tentou falar, mas ela o interrompeu.
— Não adianta, Miguel. Já tentei explicar isso antes, e você nunca me ouviu. Então, talvez seja melhor seguirmos caminhos diferentes.
Ela virou-se para ir embora, mas parou na porta por um momento, olhando para ele uma última vez.
— Eu espero que um dia você perceba que humor não é desculpa para ferir as pessoas. Até lá, Miguel, cuide-se.
Ele ficou sentado à mesa, olhando para a xícara de chá de Clara ainda pela metade. Aquele pequeno objeto parecia conter todo o peso do que acabara de perder.
Miguel passou as mãos pelo rosto, sentindo uma mistura de arrependimento e confusão. Para ele, tudo parecia tão pequeno, tão trivial. Mas, para Clara, era a culminação de algo muito maior.
Do lado de fora, Clara caminhava com passos rápidos, tentando afastar a dor que sentia no peito. Ela sabia que havia tomado a decisão certa, mas isso não a tornava menos dolorosa.
O sol começava a se pôr, pintando o céu de tons alaranjados. Para Clara e Miguel, aquele momento marcava o fim de algo que, um dia, fora leve e bonito. E, embora ambos soubessem que não havia mais volta, o silêncio que os envolveu deixou uma sensação agridoce de saudade e lição aprendida.
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