Correndo Contra o Relógio
Joana olhou para o relógio na parede de seu escritório. O tic-tac ressoava alto em sua mente, mais do que o som ambiente de teclas sendo pressionadas e telefones tocando. Faltavam apenas duas horas para o fim do expediente, e ela ainda não tinha resolvido metade das pendências que acumulavam-se desde o início da semana. A cada tarefa finalizada, três novas surgiam em sua frente, como uma corrida sem linha de chegada.
Ela se levantou, pegou uma xícara de café e, enquanto a bebida quente tocava seus lábios, percebeu a janela à sua frente. Lá fora, o sol começava a descer no horizonte, e a vida parecia seguir sem pressa, enquanto ele sentia o peso do tempo apertar seu peito. Havia um projeto que precisava terminar para o chefe, contas que ele ainda não havia pago e uma promessa de jantar com a família que já sabia que teria que cancelar. O tempo, pensou ele, era uma entidade cruel, que nunca permitia pausas.
“E se eu pudesse controlá-lo?” murmurou João, quase sem perceber. A ideia lhe ocorreu de repente, como um sopro de esperança. Se tivesse mais tempo, poderia resolver tudo, cumprir prazos, salvar seu casamento e ainda conseguir descansar. Mas a realidade era dura. Não havia como frear o tempo, não para ele, não para ninguém.
De volta à sua mesa, João olhou para a tela do computador, mas as palavras embaralhavam-se diante de seus olhos. Em meio ao cansaço, sua mente divagou para uma memória antiga. Ele, criança, brincando de correr contra seu pai em um campo aberto, tentando ultrapassá-lo. O pai, rindo, dizia: "Não adianta, filho, o tempo sempre vence." João nunca entendeu completamente o que aquilo significava até agora.
Subitamente, algo na cabeça de João clicou. Talvez o segredo não fosse correr contra o tempo, mas com ele. Afinal, ele nunca conseguiria frear o relógio, mas poderia ajustar o ritmo. Largou o teclado e pegou um pedaço de papel, rabiscando todas as tarefas pendentes. Em vez de se perder no caos, começou a dividir cada uma por etapas, colocando prazos realistas e deixando espaço para o inesperado. Talvez, pensou, o verdadeiro problema fosse a maneira como ele lidava com o tempo, e não o tempo em si.
O relógio ainda corria, como sempre, mas algo dentro de João começou a mudar. As horas fluíam, mas ele já não estava sufocado. Uma tarefa terminava, e ele passava para a próxima, sem a habitual ansiedade de estar sempre um passo atrás. A sensação de correr contra o tempo ainda estava ali, mas ele sentia como se, de algum modo, tivesse encontrado um equilíbrio.
Quando o dia finalmente terminou, João olhou mais uma vez para o relógio. Ainda haviam pendências para o dia seguinte, mas, pela primeira vez em meses, ele não se sentia vencido. Em vez de ficar horas a mais no escritório, desligou o computador, pegou o casaco e saiu, decidido a não perder o jantar com a família.
No caminho para casa, enquanto o trânsito fluía lentamente, João percebeu algo curioso: o tempo parecia passar de forma diferente agora. Ele sabia que as horas eram as mesmas, que o ponteiro continuava seu curso implacável, mas algo havia mudado na forma como ele percebia esse movimento. Sentiu que, de algum modo, havia domado a pressão que o tempo exercia sobre ele.
Ao chegar em casa, sua esposa o olhou surpresa. “Você está cedo”, ela disse, sorrindo. João sorriu de volta, algo que há tempos não fazia. Ele não tinha mais a ilusão de controlar o tempo, mas havia descoberto que não precisava lutar contra ele. Bastava saber como correr ao seu lado, sem perder o compasso.
E naquela noite, enquanto o tic-tac do relógio na parede seguia seu curso implacável, João, pela primeira vez, não se sentiu derrotado.