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Textos


Memórias de Guerra

Capítulo 3

Ecos do Medo

 

As horas se arrastavam, e o medo crescia dentro de mim como uma sombra inescapável. O som distante dos tiros e das explosões ecoava na minha mente, mesmo nos raros momentos de silêncio. O ar estava impregnado de um cheiro metálico e acre, uma mistura de fumaça, pólvora e algo mais sombrio que eu não conseguia identificar. Minha mãe estava ao meu lado, segurando minha mão com força, mas em silêncio, seus olhos fixos em um ponto indefinido além da janela, talvez tentando encontrar alguma esperança na escuridão que envolvia nossa cidade.

 

Meu pai, sempre tão calmo e confiante, agora estava inquieto, caminhando de um lado para o outro na pequena sala. Ele mantinha um olhar atento à porta, como se esperasse que a qualquer momento alguém pudesse invadir nossa casa. Ele nos dizia que ficaríamos seguros ali, mas o tremor em sua voz traía o medo que ele tentava esconder. Eu sabia que ele estava preocupado com o que poderia acontecer se os aviões voltassem, ou pior, se soldados viessem até nós.

 

Naquela noite, nenhum de nós conseguiu dormir. Cada som, cada ruído parecia um prenúncio de algo terrível. Minha irmã mais nova chorava baixinho, tentando se acalmar, enquanto eu a abraçava, sussurrando palavras de conforto que nem eu mesma acreditava. Tudo o que eu queria era que tudo aquilo terminasse, que pudéssemos voltar à nossa vida tranquila, onde o maior dos nossos problemas era o cultivo da terra e as visitas ao mercado na cidade.

 

Ao amanhecer, a luz pálida do sol filtrou-se pelas janelas, revelando um cenário ainda mais desolador. A fumaça ainda pairava no ar, e a cidade, vista à distância, parecia um fantasma de si mesma. Decidimos que era perigoso permanecer em nossa casa, isolados e vulneráveis. Meu pai sugeriu que nos dirigíssemos para a casa de nossos tios, que ficava ainda mais distante do centro. Ele acreditava que estaríamos mais seguros lá, longe das rotas dos aviões e dos bombardeios.

 

Enquanto nos preparávamos para partir, ouvi passos pesados e rápidos se aproximando da casa. Meu coração disparou, e por um momento, pensei que poderia ser o pior. Meu pai, com um olhar decidido, pegou sua espingarda, mas logo a abaixou ao reconhecer a figura que surgiu na porta: era nosso vizinho, o Sr. Ivan, um homem robusto e sempre alegre, agora com o rosto marcado pela tensão e o medo. Ele nos avisou que mais ataques estavam sendo planejados e que a estrada para a casa dos meus tios poderia estar bloqueada ou, pior, sob vigilância.

 

A notícia nos deixou atônitos. Não havia lugar seguro. Decidimos que a melhor opção seria nos escondermos nas colinas atrás da nossa casa, onde havia algumas cavernas que os pastores costumavam usar. Juntamos o que podíamos carregar — comida, cobertores, e o pouco dinheiro que tínhamos — e começamos a caminhada em silêncio, cada um imerso em seus próprios pensamentos. A paisagem que antes era familiar agora parecia ameaçadora, cada sombra, cada ruído um possível sinal de perigo.

 

Quando finalmente chegamos às colinas, a sensação de alívio foi breve. As cavernas eram pequenas e úmidas, mas nos ofereciam um abrigo temporário. Passamos o dia ali, ouvindo ao longe os sons da guerra, nos perguntando quando, ou se, isso tudo terminaria. À noite, o frio se intensificou, e nos aconchegamos o máximo que pudemos. O som da respiração pesada de minha família misturava-se ao vento que uivava lá fora, criando uma melodia estranha e assustadora.

 

Enquanto meus pais e minha irmã dormiam, eu me mantive acordada, incapaz de fechar os olhos. Minha mente estava tomada por imagens das ruas da cidade, das pessoas correndo desesperadas, das explosões que pareciam não ter fim. E acima de tudo, a incerteza. O que aconteceria conosco? Seríamos capazes de sobreviver a isso? Ou a guerra nos alcançaria, mesmo aqui, nas profundezas das colinas?

 

A cada nova explosão que ecoava ao longe, meu corpo se encolhia instintivamente. Mas, em meio ao terror, surgiu em mim uma determinação que eu nunca havia sentido antes. Eu precisava ser forte, não apenas por mim, mas pela minha família. Precisava encontrar um modo de sobreviver àquela tempestade de fogo e ódio que havia transformado nossa vida em um pesadelo.

 

Naquela caverna fria e escura, fiz uma promessa silenciosa: faria de tudo para proteger aqueles que eu amava, para que, um dia, pudéssemos sair das sombras e voltar a ver o sol brilhando em um céu de paz. E assim, entre o medo e a esperança, a primeira noite nas colinas chegou ao fim, trazendo consigo a promessa de um novo amanhecer.

A Sales
Enviado por A Sales em 13/09/2024
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