No sertão do meu Brasil
Há história pra contar
De um espantalho estranho
Que um dia pôs-se a andar
E foi tudo por causa
De uma cachaça sem par.
Numa roça abandonada
Viviam em paz os pardais
Ciscavam milho e feijão
Sem medo dos seus rivais
Pois o espantalho da roça
Parecia sempre incapaz.
Era feito de palha
Com chapéu e roupa velha
Um rosto pintado à mão
E um sorriso de telha
Mas nunca assustava nada
Nem mesmo as traquinagens da abelha.
Seu nome era Zé Palhaço
Um espantalho gentil
Passava os dias quieto
Debaixo do sol de anil
Até que um dia mudou
O destino do seu perfil.
O dono da velha roça
Resolveu fazer cachaça
Pegou cana de açúcar
E montou sua alambicaça
Destilou a bebida forte
Com precisão e muita graça.
Numa noite enluarada
O homem bebeu demais
Deixou a garrafa aberta
Ao lado do velho paiol
Esqueceu-se do espantalho
E do que viria após.
A lua cheia brilhava
Com sua luz prateada
O vento soprava forte
Pela noite estrelada
E a cachaça derramada
Foi a magia encantada.
Um fio da bebida
Escorreu pelo chão
Chegou aos pés de Zé Palhaço
E causou transformação
A cachaça deu-lhe vida
E um novo coração.
Zé Palhaço se mexeu
Sentiu-se leve e ágil
Olhou ao seu redor
Com um ar quase frágil
Mas logo compreendeu
Seu estado era mágico.
Começou a caminhar
Por entre a plantação
Os pardais se espantaram
Com tamanha agitação
Zé Palhaço, agora vivo
Causava admiração.
Foi quando encontrou
O alambique brilhante
Sentiu a força da cachaça
Algo muito marcante
Decidiu provar mais um gole
Pra se sentir gigante.
Com cada gole tomado
Mais humano ele ficava
Seu corpo de palha
Agora firme se mostrava
E sua voz ecoava
Como quem cantava.
Decidiu conhecer
O mundo além da roça
Saiu pelo caminho
Deixando a terra nossa
Procurando novas aventuras
Com a alma bem destroça.
Pelas vilas e cidades
Zé Palhaço caminhava
Contava suas histórias
E o povo admirava
A cachaça mágica
Que a vida lhe dava.
Fez amigos na jornada
E muitas risadas deu
Mas no fundo do seu ser
A saudade apareceu
Da velha roça amada
Onde tudo começou.
Voltou ao seu pedaço
De chão e de canção
Ajudou o dono da roça
Com trabalho e devoção
E espalhou a notícia
Da sua transformação.
A roça ficou famosa
Pela história do espantalho
Gente vinha de longe
Pra ver aquele orvalho
Que de cachaça feito
Trouxe vida ao entalhe.
Zé Palhaço, então, viveu
Muitas outras aventuras
Sempre ao lado da roça
Sem esquecer suas juras
De proteger os campos
E alegrar as criaturas.
E a cachaça que lhe deu vida
Foi um símbolo sagrado
Do poder da terra nossa
E do amor ali plantado
Mostrando que até um espantalho
Pode ser bem-amado.
Assim termina o cordel
Dessa história encantada
De um espantalho vivo
E sua cachaça abençoada
No sertão do meu Brasil
Onde a magia é encontrada.