Os vermelhos
Primeiro episódio
A viagem
O relógio marca 20h40. Ainda sonolenta, pois não consegui dormir bem na noite anterior a esta viagem inesperada. Talvez também pelo barulho de algumas pessoas que jogavam cartas, outras dominó, outras apenas conversavam, e havia aquelas que não dormiam mesmo para não perder os detalhes da viagem.
Talvez também pelo fato de ser minha primeira viagem de trem. Ainda não sei como elas conseguiram me convencer a sair de Madri para Marselha. Pelo menos, poderei relaxar um pouco e não precisarei ver o John por alguns dias. Ele é legal, mas não seria uma pessoa para estar ao meu lado. Jane jura que ele é a pessoa certa para mim, e quem ela não acha certo para estar comigo?
Me convenceram, e não me disseram muito sobre essa cidade; não sei nada das pessoas, dos seus costumes, não sei nem mesmo onde vou ficar quando o trem parar na estação de Saint Charles. Elas são belas amigas, mas são as únicas em posso confiar.
Confesso que já me excitava a ideia de chegar a Marselha, mas não contava que seriam pouco mais de onze horas de viagem saindo de Madri. Tudo que sabia de Marselha era que tinha aproximadamente uns 250 km², sua população era de quase novecentos mil habitantes, seria muito fácil me perder naquela cidade. Quando eu voltar, vocês duas me pagam.
O relógio marca agora 01:32 da madrugada. Enfim, chegamos. Pensei: por que agora a visão da minha janela parecia mais nítida? Então percebi que o trem reduzia a velocidade até parar completamente. Ansiosa para descer o mais rápido e poder ver a tão falada Marselha, que minhas duas únicas e queridas amigas tanto comentavam.
Voltei minha atenção para a cabine e percebi que todos também olhavam pela janela, cada um em sua poltrona. Fiquei feliz; pensava que só eu viajava pela primeira vez naquela cabine. Mas, as pessoas não estavam vendo o mesmo que eu via; tudo o que eu via era a porta, e torcia para que se abrisse logo, para poder então conhecer a cidade, deitar uma bela cama e descansar até o dia de voltar, só no que pensava.
Levantei e fui até a uma mulher que sentava na frente da minha poltrona, exatamente duas poltronas à frente, e perguntei:
- Oi, tudo bem? Perguntei com voz baixa para não assustá-la, mas ela já estava assim.
Oi, sim. Parece que sim. Respondeu com voz trêmula, como se lhe faltassem as palavras para explicar o que via.
Nesse instante, todas as passageiros também olhavam pela janela, de ambos os lados do trem. Falavam sussurrando, e começaram a fechar as cortinas das janelas e voltaram aos seus assentos assustadas, procurando de alguma forma se esconder em um lugar que só tinha cadeiras e um corredor.
Desculpe, senhora. O que está acontecendo que a deixou assim tão assustada? Perguntei na esperança de uma resposta que também me confortasse, já que não estava entendendo nada. A resposta dela veio por um gesto; as palavras já o haviam sumido devido ao medo, que agora era mais claro em seu rosto.
Ela saiu de onde estava e foi tentar outro abrigo, mesmo sabendo que não havia ali naquele vagão. Então, fui até a cadeira dela, puxei a cortina e pude ver com meus próprios olhos o que tirou a paz daquela senhora.
O relógio marca 02:55 da madrugada; imediatamente, todas as luzes do trem se apagaram.
Continua na parte dois: PARADA IMPREVISTA de Os Vermelhos